Texto publicado no Jornal das Caldas em Maio de 2000, que hoje fui buscar ao baú das memórias. A sua extensão aconselha a divisão em dois ou três posts, para que a leitura seja mais fácil e aguce o interesse, se ele existir.
Aconteceu num passado tão longínquo que dele não há memória em registo de livro, acta ou arquivo, muito menos em cinema, vídeo ou fita gravável.
Era no tempo em que ainda se não falava no "achamento", na semeadura do pinhal de Leiria ou na cena de D. Afonso com a mãe, o convento de Mafra ainda não sonhava ser tema de romance com direito a Nobel, a Rainha ainda não tinha visto os doentes a banharem-se e as árvores ainda eram de madeira.
Poder-se-ia afirmar, sem receio de desmentido, que os animais por essa altura ainda falavam, que os homens, se existiam, não davam nas vistas nem faziam asneiras e que o acontecido chegou aos nossos dias à custa do testemunho passado na estafeta da vida.
A floresta vivia um dia normal, igual a todos os que já tinham acabado e cumprido a sua função de dar lugar à noite, mais uma, silenciosa e melancólica, como são todas as noites da floresta.
Em cada árvore, os habitantes exibiam os seus dotes canoros, numa melopeia de sons variados. Numa delas, o rouxinol, desesperado, não entende a razão pela qual o melro, com o seu assobio estridente, lhe estraga sistematicamente a sinfonia, dispersando-o e obrigando-o a começar tudo de novo. Numa outra, um plátano secular em período outonal, dois pintassilgos vistosos, de gravata vermelha ao pescoço, alternam bicadas nas bolas castanhas com gorjeios tão estridentes que fazem corar o pardal que, coitadito, em matéria de musicalidade, é um completo desastre. Piava, sem ritmo nem originalidade, enquanto saltitava pela floresta, na esperança que a sua atenção apurada detectasse um grãozito de cereal apetitoso.
Poder-se-ia afirmar, sem receio de desmentido, que os animais por essa altura ainda falavam, que os homens, se existiam, não davam nas vistas nem faziam asneiras e que o acontecido chegou aos nossos dias à custa do testemunho passado na estafeta da vida.
A floresta vivia um dia normal, igual a todos os que já tinham acabado e cumprido a sua função de dar lugar à noite, mais uma, silenciosa e melancólica, como são todas as noites da floresta.
Em cada árvore, os habitantes exibiam os seus dotes canoros, numa melopeia de sons variados. Numa delas, o rouxinol, desesperado, não entende a razão pela qual o melro, com o seu assobio estridente, lhe estraga sistematicamente a sinfonia, dispersando-o e obrigando-o a começar tudo de novo. Numa outra, um plátano secular em período outonal, dois pintassilgos vistosos, de gravata vermelha ao pescoço, alternam bicadas nas bolas castanhas com gorjeios tão estridentes que fazem corar o pardal que, coitadito, em matéria de musicalidade, é um completo desastre. Piava, sem ritmo nem originalidade, enquanto saltitava pela floresta, na esperança que a sua atenção apurada detectasse um grãozito de cereal apetitoso.
(Continua)
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