segunda-feira, 29 de abril de 2024

Espectáculo

O espectáculo começou cinco minutos depois da hora prevista. Do meu lado direito, o telemóvel permanecia numa das mãos do dono, enquanto a outra (um dedo apenas) ia dedilhando uma mensagem longuíssima, talvez a contar o que se estava a passar em palco e a beleza das músicas de há meio século, com "vestes" actuais. A lentidão da escrita era confrangedora. Vieram-me à ideia as recentes definições de Marcelo e concluí que, afinal, a sua sapiência é infinita: uma personagem que tão mal dedilha no aparelho e tão pouco liga ao que se passa no palco, só pode ser alguém pouco habituado à cidade, talvez até rural, lá das berças, das entranhas do Portugal profundo. Tinha descido à civilização e só poderia estar a contar o seu deslumbramento.

Do lado esquerdo, dois lugares vazios. Alguém que tinha comprado bilhetes - a sala estava esgotada - e, à última da hora e por algum imponderável, não tinha podido comparecer. Conclusão apressada: cerca de uma hora depois, surgem dois personagens, com os papelinhos bem visíveis nas mãos, caminhando com dificuldade, prejudicando a visibilidade de quem chegou a horas, e ocupam os dois lugares até aí livres. Devagarinho, um deles "saca" do aparelho que também serve para telefonar, e inicia o registo, para a posteridade, para os amigos e para as redes, do que se passa no palco. A lentidão com que movimenta a "câmara" e o atraso na chegada levam-me a concluir, talvez de forma apressada, que o "filmador" só pode ser oriental ou com raízes desses lados, tal como o nosso Presidente descreveu.

Acabou! Enquanto aplaudo os artistas que me proporcionaram um grande espectáculo, dou por mim a pensar que cada vez sei menos e me acho mais deslocado.

1 comentário:

Carlos JPC disse...

Cada vez mais difícil aturar esta malta, rurais ou urbanos…..