"(...) Numa tarde do mês de Março de 1955, quando se preparava para servir o chá, a menina Fabre surpreendeu as suas alunas numa grande conversa. Os estudantes do secundário estavam em greve havia uma semana, por causa de uma jovem que um professor humilhara. Ele acusara-a de ter escrito uma composição subversiva sobre o combate de Joana d'Arc contra os Ingleses e de ter aproveitado a disciplina de História para manifestar as suas amizades nacionalistas. Do andar de cima, chegava-lhes o riso dos trabalhadores que reparavam o telhado da menina Fabre e as raparigas não se contiveram e tentaram vê-los. A dona da casa serviu, à moda dos Marroquinos, com um gesto amplo e cerimonioso, o chá de menta em copos lascados. Aproximou-se de Selma.
- Venha comigo, menina, quero falar consigo.
Selma seguiu-a até à cozinha. Perguntou-se qual seria o motivo daquela conversa à parte. Teve vontade de dizer que se estava a borrifar para a política, que a sua cunhada era francesa, que não tomava o partido de ninguém, mas a menina Fabre sorriu-lhe e convidou-a a sentar-se a uma mesinha de madeira, na qual estava pousado um cesto com fruta coberta de mosquinhas. A menina Fabre esticou as pernas. Durante uns minutos, que pareceram infindáveis a Selma, perdeu-se na contemplação da buganvília que se espraiava, em enormes cachos malvas, sobre o muro ao fundo do jardim. Pegou num pêssego demasiado maduro, com a casca a descolar, e deparou com a polpa escura e mole.
- Soube que deixou de ir às aulas.
Selma encolheu os ombros.
- Para quê? Não entendia nada.
- A menina é uma tonta. Sem estudos, não será ninguém na vida.
Selma ficou surpreendida. Nunca ouvira a menina Fabre exprimir-se daquela maneira, dar mostras de tamanha severidade junto de uma das adolescentes.
- É por causa de algum rapaz, é isso?
Selma corou e, se pudesse, teria fugido a sete pés e nunca mais a veriam naquela casa. As pernas começaram a tremer-lhe e a menina Fabre pousou uma mão no joelho dela.
- Julga que não compreendo? Provavelmente pensa que nunca estive apaixonada.
<<Faz com que ela se cale. Faz com que ela me deixe ir embora>>, pensou Selma, mas a velha continuou, roçando os dedos na sua cruz de marfim, que, de tanto ser acariciada, estava lustrosa.
- Hoje está apaixonada e é maravilhoso. Acredita em tudo o que os rapazes lhe dizem. Está convencida de que isso vai durar e que eles vão gostar sempre tanto de si como gostam agora. Comparado com isso, os estudos não têm importância. Mas a menina não sabe nada da vida! Um dia, se sacrificar tudo por eles, vai ficar sem nada e dependente dos mais pequenos gestos deles. Dependente da boa disposição e afecto dos homens, à mercê da brutalidade deles. Acredite que devia pensar no seu futuro e estudar. Os tempos mudaram. Não tem de abraçar o mesmo destino que o da sua mãe. Pode vir a ser alguém, advogada, professora, enfermeira. Ou até aviadora! Não ouviu falar daquela rapariga, a Touria Chaoui, que conseguiu o brevet de piloto com apenas dezasseis anos? A menina pode ser quem quiser, desde que faça por isso. E nunca, nunca pedirá dinheiro a um homem. (...)"