O telhado ia sendo feito, a pouco e pouco, devagar, com todo o cuidado. Estar lá em cima sem qualquer protecção (o tempo dos capacetes e dos outros cuidados ainda não tinha chegado), exigia todas as cautelas, apesar da experiência ser grande e de ser "apenas" o sótão de uma casa térrea.
As vigas principais já tinham sido colocadas e a tarefa, agora, era pregar as ripas que viriam a ser o suporte principal das telhas. Trabalho delicado, exigente e rigoroso. Não podia haver falhas, que as telhas não eram maleáveis.
O servente tinha pavor do mestre pedreiro, mas tentava não o demonstrar. Procurava cumprir todas as ordens, sem manifestar qualquer desagrado, muito menos fazer comentários. Podia sair-lhe caro e manter o emprego era essencial para a sobrevivência.
- O "Jaquim" é o servente que eu gosto. Faz o que lhe digo e nunca abre a boca. Respeitinho.
Os pregos utilizados nas ripas eram bem mais pequenos do que aqueles que tinham servido para pregar as vigas. Os martelos utilizados por pedreiro e servente eram os mesmos e bem grandes. O cuidado para acertar na cabeça do prego e não na dos dedos era mais do que necessário, era imperioso. A cabeça dos dedos sofria e a dos pregos torcia-se, impedindo que eles cumprissem a função.
- Ó "Jaquim", tem tento no trabalho. Mais vale acertares nos dedos do que torceres os pregos. Olha que são caros!
A observação do mestre não teve qualquer resposta, como era uso mas, apesar da atenção, primeiro prego martelado, primeiro torcido.
- Eu avisei-te, "Jaquim". Dá atenção ao trabalho, com a cabeça bem assente e sem pensares no resto.
O segundo teve a mesma sorte e o mestre pedreiro não resistiu:
- Vai buscar uma pá ...
O "Jaquim", cumpridor, desceu a escada e dirigiu-se à arrecadação. Agarrou na primeira pá que encontrou e subiu a escada.
- Aqui tem, senhor João.
- És mesmo parvo. Então tu achas que se pode martelar um prego com uma pá?
Lá poder não pode mas, às vezes, até dava um jeitão e os dedos não se queixavam.
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