domingo, 22 de junho de 2025

Guerra

Ainda não era suficiente e havia (há) muito material para esgotar. Um regresso aos Açores para ver a paisagem e dar de beber a quem tem sede, em terra ou no ar.

Mais uns bombardeamentos, para que todos se (re)coloquem no carril do comboio comandado pelo homem da melena amarelada e segura pela boa laca, talvez de fabrico chinês, com tarifas.

Onde e quando irá acabar?  

domingo, 15 de junho de 2025

Livros (lidos ou em vias disso)

"(...) Quando me mudei para Higienópolis, minha mãe me deu dois presentes: um enorme vaso de murano e uma coleção de pratos Vista Alegre. Disse que seria impossível pertencer àquela nova realidade sem esses objetos.

Fui trocar o vaso, e descobri que com o mesmo valor eu poderia adquirir na loja uns vinte itens desnecessários para minha casa. Minha mãe me disse que ter vinte objetos meio baratos era coisa de pobre. Rico tinha uma coisa única e cara. Mas o que eu faria com um imenso vaso de murano? Minha mãe quis saber então o que eu faria com vinte coisas das quais não precisava. Argumentei que eu também não precisava de um vaso de murano. Ela então respondeu: <<Você que pensa que não precisa, isso vai mudar.>>

Ao me visitar em Higienópolis, minha mãe reparou que eu ainda estava do lado mais barato do bairro. O legal era depois da avenida Angélica, e não antes dela. Argumentei que para quem vinha do outro lado da Angélica eu morava exatamente depois da Angélica.

Estava perto do Natal e resolvi dar um almoço em casa. Exibi minha coleção de pratos Vista Alegre e uma amiga, com um casaco imenso, levantou da mesa para cumprimentar um casal e lançou um dos pratos para longe, quebrando-o ao meio. Comecei a chorar e a rir, <<eu choro à toa, não liguem!>>. A amiga me abraçou <<é só um prato>>.

Não era o prato. Eu estava chorando porque quando vem a pontada intensa de amor pela minha mãe, o raio do amor absoluto e infinito, a descarga elétrica do amor mais intenso, eu choro. O prato quebrado me lembrou de como eu amava a minha mãe e minha vida seria insuportável quando ela morresse. Como eu veria para sempre aqueles pratos em minha casa, depois que ela morresse (...)"

Tati Bernardi
A boba da corte
Tinta da China (MMXXV) 

sábado, 14 de junho de 2025

Percepções

Por muito que se tente assobiar para o lado, sentir o vento norte a refrescar o corpo que se deslocou à praia, pela manhã, em busca do sossego contido no marulhar das ondas; ir lendo algumas páginas do livro actual, adivinhar o que é o almoço, estender o olhar em busca da Berlenga enevoada, as notícias surgem sempre em primeiro plano e sem compreensão possível, para quem não é dotado da capacidade explicativa de tanta gente que vai debitando razões que a razão desconhece.

Está (re)aberto mais um conflito, com Israel a dizer que vai destruir a capacidade nuclear do Irão e este a invocar Deus para o ajudar a eliminar do mapa os israelitas, num jogo de mísseis e drones sem contemplações nem olhos.

Parece ser lá longe, mas a distância é pouco mais que um tirinho, quando uma parte de nós está lá, a fazer fronteira com um dos beligerantes.

Vai passar ... Quando e como?

quinta-feira, 12 de junho de 2025

Zé Povinho

Passam hoje 150 anos da primeira "notícia" que o Zé Povinho, nascido das mãos de Raphael Bordalo Pinheiro, produziu e publicou. Seguiram-se muitas outras, sempre em cima da actualidade e bem mordazes.

Se ainda por cá andasse, o "Zé" teria muito papagaio com que se entreter diariamente.

quarta-feira, 11 de junho de 2025

A Barraca

Não tenho pena de Maria do Céu Guerra, porque ela é uma guerreira e lutará, como sempre fez, contra os energúmenos que querem o regresso a um passado reles e de má memória.

A minha solidariedade com os actores d'A Barraca pouco vale, mas eu quero continuar a ir lá ver teatro de qualidade indiscutível e, sobretudo, com a liberdade criativa que é apanágio daquela casa há meio século.

terça-feira, 10 de junho de 2025

10 de Junho

Ao ouvir, hoje, o resumo dos discursos de Lídia Jorge e Marcelo Rebelo de Sousa, no âmbito das comemorações do 10 de Junho, lembrei-me de um estudo que a minha filha me ofereceu e sobre o qual falei aqui, já lá vão uns anitos.

O estudo indica que, como qualquer português, tenho raízes que vão da Ásia, passam pela África, viajam pela Europa e "aterram" aqui, neste "jardim à beira-mar plantado". 

Se, ao invés de nos preocuparmos com as origens, a cor, a religião de cada um dos que por cá habitamos, muitos em condições miseráveis e vergonhosas, procurássemos colaborar na integração de todos, sem preconceitos, ódios, invejas e aproveitamentos vis, talvez conseguíssemos um Portugal maior e mais feliz.

"Ou fazendo que, mais que a de Medusa,
 A vista vossa tema o monte Atlante,
Ou rompendo nos campos de Ampelusa
Os muros de Marrocos e Trudante.
A minha já estimada e leda Musa
Fico que em todo o mundo de vós cante,
De sorte que Alexandro em vós se veja,
Sem à dita de Aquiles ter inveja."

Os Lusíadas
Canto X (final)
Luís de Camões

segunda-feira, 9 de junho de 2025

Liga das Nações

Mais um dia grande para o futebol nacional, com a selecção principal a conquistar a Liga das Nações pela segunda vez, contra as perspectivas desenhadas pela crítica sabedora. E foi muito bonito de ver a capacidade de Nuno Mendes, numa equipa que procurou sempre, com "ganas", vencer "nuestros hermanos".

domingo, 8 de junho de 2025

Tempo ... de praia

(Re)começaram as conversas da praia, acompanhadas pela nortada "fozeira", acentuando as dificuldades de audição que vão aumentando à medida que o tempo percorre o caminho inexorável ... para o aparelhinho do Goucha.

A água, ao contrário do que acontecia há uns anos, está muito fria, o sol anda fraquinho, a camisola aconchega o tronco dos conversadores  presentes e não parece nada incomodada com isso. O banho fica para a próxima.

Ainda é cedo, que diabo. Nem sequer há banheiro ... Calma, que vai ser bom ... verão.

- E o vento, ai, o vento está bem pior que o ano passado.

Falou-se da inteligência artificial, da falta de sentido crítico, das eleições, dos apertões de Marcelo, de abortos e desmanchos, do que era e do que é, do que lá vai e do que estará para chegar, deste e daquele, disto e daquilo. Tudo tratado e nada resolvido, como sempre.

- Começou a chegar a "fauna" da tarde. Está na hora de a "Cacilda" ir tratar do almoço. Até amanhã ... se o tempo quiser!

sábado, 7 de junho de 2025

Palavras bonitas

No desvario
Do sonho me socorro
E nele percorro
O denso frio
Da distância,
Os delirantes lugares da demência,
A delicada fragância,
A seda e o brocado
Desenhando o fulgor e a fluorescência
Do teu corpo semeado
De azul e maresia ...
Meu castelo de vento,
Meu portento, Meu mar sulcado
E para sempre arado
De louca fantasia! ...

Pequena elegia em busca de Moad
Lino Sebastião
cordel d' prata (2025)

sexta-feira, 6 de junho de 2025

Paz e lirismo

E se, de repente, começasse a surgir alguma coisa com nexo daquela cabecinha amarelada que comanda os destinos americanos, gritaríamos todos:

- Milagre!

Desenganem-se. Não vai acontecer, por muito desejável que seja e muitas rezas ocorram. Continuaremos a ouvir muitas "bacoradas" e um sem número de alarvidades que trazem à memória a frase do antigo seleccionador nacional de futebol Luiz Filipe Scolari:

- E o burro, sou eu?

A guerra, que tinha o destino traçado, terminaria mal ele sentasse os glúteos no sofá da Sala Oval e nunca teria começado se ele se tivesse mantido como chefe da nação naquele acto eleitoral tão festejado no Capitólio, afinal continua, agravada, e sem fim à vista. A faixa de Gaza está quase em condições de serem iniciadas as obras do resort de luxo, faltando apenas acabar com os palestinianos.

Entretanto, o cavalheiro holandês que apelidou os portugueses de gastadores e boémios, pede encarecidamente que todos os países aumentem a sua contribuição para a NATO e, ao que tudo indica, o nosso já está a escarafunchar no mealheiro para lhe fazer a vontade.

Como toda a gente sabe e a história confirma, a solução é aumentar o esforço militar e deixar que essa coisa da paz se mantenha como uma miragem dos líricos.

segunda-feira, 2 de junho de 2025

Livros (lidos ou em vias disso)

Biblioteca acima das possibilidades de leitura

Uma biblioteca cheia de livros que não foram lidos - sabendo que muitos deles nunca o serão - é uma biblioteca enorme, porque contém em si a semente da possibilidade. É imensa porque inclui desejo. Quem a criou tinha um desejo acima das suas possibilidades, e isso define o leitor: a sua ambição. Nunca concretizaremos plenamente os nossos desejos, mas o tamanho da biblioteca pode evidenciar o tamanho da ambição e, por reflexo, o tamanho do leitor. Um leitor tímido terá um ou dois livros por ler, um leitor ambicioso terá logicamente mais. Em japonês, existe uma palavra para a pilha de livros por ler: tsundoku.

Seria expectável que um grande leitor fosse aquele com menos livros por ler na sua biblioteca, pois leu muitíssimo, mas não é isso que acontece: o melhor leitor tem sempre cada vez mais livros por ler. Quanto mais lê, mais essa lista aumenta.

Children's afternoon at Wargemont, 1884 - PIERRE AUGUSTE RENOIR
O vício dos livros II
Afonso Cruz
Companhia das Letras (2025)

domingo, 1 de junho de 2025

Livros (lidos ou em vias disso)

"(...) Por norma, a leitura não tem uma gratificação imediata e contraria as nossas características gregárias, isolando-nos dos outros e do mundo, impondo algum silêncio, exigindo atenção, concentração e, como se tal não bastasse, obriga ao esforço da descodificação. Ao contrário de outras formas de arte, como a música, a pintura ou o cinema, a leitura não se oferece directamente à sensorialidade - exige um processo cognitivo, converter letras em cenários mentais, converter letras em vozes, rostos, emoções e paisagens. Ler dá trabalho. Essa exigência torna a leitura uma arte activa, mais próxima da tradução do que da fruição imediata, e, talvez por isso, quando funciona, seja tão poderosa: porque é o leitor quem completa a obra. A leitura é uma arte de co-autoria.

Sendo difícil ultrapassar os primeiros obstáculos que a própria leitura impõe aos seus possíveis futuros amantes, as medidas para aumentar o número de leitores têm resultados tíbios. Repare-se que esse número deveria ter aumentado estrondosamente com a diminuição da iliteracia, mas tal não se verificou. Nunca houve um entusiasmo esfuziante com a leitura; pelo contrário, sempre foi um fenómeno sóbrio, que vai tendo mais leitores, é certo, mas de forma lenta, ou muito lenta. De todos os que foram alfabetizados, poucos se tornaram leitores assíduos. (...)"

O vício dos livros II
Afonso Cruz  
Companhia das Letras (2025)