"(...) AS MENINAS E OS MENINOS
A casa da Avó. A casa dos avós.
Uma recordação que se ia tornando nebulosa. No entanto, não se esbatia totalmente. A casa onde, em pequenos, o irmão e ela passavam parte dos dias de Verão.
Quatro cadeiras à roda de uma mesa. Às vezes cinco, ou seis. Era o princípio das lembranças.
Mobília velha. Muito. De pinho com caruncho a roer, sempre a roer.
"Não haverá nada capaz de dar cabo desta bicharada?!"
As cadeiras e as mesas dir-se-iam esquecidas, no meio da cozinha. Passavam-nas, às vezes, com um esfregão embebido em azeite. Deixavam-se secar. Era ali que os avós se sentavam a comer. Eles também, quando lá estavam.
Café da manhã, almoço, jantar. Horários incertos porque não se tinha fome ou por se dar prioridade a galinhas, coelhos e porcos. Ou,
"Vou primeiro dar uma volta ao palheiro, a ver se há alguma novidade ..."
"E eu ainda vou lá acima. Tenho um canteiro de alhos-porros para sachar!"
Mais isto. Mais aquilo.
Comia-se, ou não se comia?
Quando lhe parecia que já era tempo, ela chamava o irmão,
"Duarte, vamos pôr a mesa!"
E logo a Avó,
"Deixa-o, que está entretido!..."
Pusesse ela a mesa. Toalha de algodão aos quadrados. Pratos, talheres, os copos.
Preferia as toalhas claras. Brancas. As da Avó, porém, andavam todas por tons escuros. Castanhos, azuis.
"Sujam-se menos ..."
Que ideia! Sujavam-se tanto quanto as outras, só que não se notava.
Pois era, a casa dos avós não tinha idade.
Casa de tectos altos, em madeira. Paredes rugosas feitas de cal, areia e cascalho. Enegreciam com o acender do fogão e dos fumeiros. Embranqueciam com um balde de cal e algumas pinceladas. Outra vez a cal!
Não. A casa não se adiantara, nem mesmo naqueles anos em que todos se batiam contra os atrasos. Em que se levava tudo por diante. Liberdade recente, a do 25 de Abril.
E a Avó, adiantara-se?
Bem ...
Antes e depois de setenta e quatro nunca usou calças nem blusas sem mangas. Continuou a vestir-se e a adornar-se como se vestem e adornam as mulheres no campo. Por dentro, contudo, diferente das outras.
Dizia de si própria
"Sou brava a dormir!"
Mais. Garantiam os conhecidos que também o era acordada.
"Ora! ... Faço o que tem de ser feito."
E dizia o que, na sua opinião, devia ser dito.(...)"
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