domingo, 30 de novembro de 2025

Livros (lidos ou em vias disso)

"(...) AS MENINAS E OS MENINOS

A casa da Avó. A casa dos avós.

Uma recordação que se ia tornando nebulosa. No entanto, não se esbatia totalmente. A casa onde, em pequenos, o irmão e ela passavam parte dos dias de Verão.

Quatro cadeiras à roda de uma mesa. Às vezes cinco, ou seis. Era o princípio das lembranças.

Mobília velha. Muito. De pinho com caruncho a roer, sempre a roer.

"Não haverá nada capaz de dar cabo desta bicharada?!"

As cadeiras e as mesas dir-se-iam esquecidas, no meio da cozinha. Passavam-nas, às vezes, com um esfregão embebido em azeite. Deixavam-se secar. Era ali que os avós se sentavam a comer. Eles também, quando lá estavam.

Café da manhã, almoço, jantar. Horários incertos porque não se tinha fome ou por se dar prioridade a galinhas, coelhos e porcos. Ou,

"Vou primeiro dar uma volta ao palheiro, a ver se há alguma novidade ..."

"E eu ainda vou lá acima. Tenho um canteiro de alhos-porros para sachar!"

Mais isto. Mais aquilo.

Comia-se, ou não se comia?

Quando lhe parecia que já era tempo, ela chamava o irmão,

"Duarte, vamos pôr a mesa!"

E logo a Avó,

"Deixa-o, que está entretido!..."

Pusesse ela a mesa. Toalha de algodão aos quadrados. Pratos, talheres, os copos.

Preferia as toalhas claras. Brancas. As da Avó, porém, andavam todas por tons escuros. Castanhos, azuis.

"Sujam-se menos ..."

Que ideia! Sujavam-se tanto quanto as outras, só que não se notava.

Pois era, a casa dos avós não tinha idade.

Casa de tectos altos, em madeira. Paredes rugosas feitas de cal, areia e cascalho. Enegreciam com o acender do fogão e dos fumeiros. Embranqueciam com um balde de cal e algumas pinceladas. Outra vez a cal!

Não. A casa não se adiantara, nem mesmo naqueles anos em que todos se batiam contra os atrasos. Em que se levava tudo por diante. Liberdade recente, a do 25 de Abril.

E a Avó, adiantara-se?

Bem ...

Antes e depois de setenta e quatro nunca usou calças nem blusas sem mangas. Continuou a vestir-se e a adornar-se como se vestem e adornam as mulheres no campo. Por dentro, contudo, diferente das outras.

Dizia de si própria

"Sou brava a dormir!"

Mais. Garantiam os conhecidos que também o era acordada.

"Ora! ... Faço o que tem de ser feito."

E dizia o que, na sua opinião, devia ser dito.(...)"

Novelas ao Vento
Filomena Marona Beja
Parsifal (2023)

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