segunda-feira, 2 de março de 2020

Lembranças

Era um princípio de tarde igual a tantos outros que se vão repetindo quase em ritual. 
De repente, junto à tua morada actual, surgiu, branca, tímida, medrosa até, e parou. Dirigi-me para lá, deixou-se apanhar sem qualquer resistência. Tinha penas sedosas, maciinhas (como tu dirias), e os olhos agradeciam o contacto com as minhas mãos.
Veio para casa sem qualquer esforço ou aborrecimento. Arranjei-lhe uma morada, provisória, alimentei-a e dei-lhe de beber. Cantou, agradecida. Já não devia comer e beber há muito tempo, saciou-se com a alpista que por cá havia. 
Ainda nesse dia fui comprar uma casinha nova e alimentação apropriada para a sua espécie, de acordo com a informação de quem vendeu. Dessa mistura que lhe coloco à disposição, não gosta de algumas sementes e rejeita-as com vigor, sujando o chão e ouvindo as recriminações de quem manda no sítio.
Acorda cedo e canta, num arrulhar sereno que repete sempre que me aproximo.
Na semana passada comprei milho partido, que ainda tornei mais miúdo com o auxílio de uma maquineta de cozinha. Adorou e cantou, de alegria, julgo.
Já faz parte da casa, trazendo sempre à lembrança o sítio onde se disponibilizou para que eu a trouxesse.
Está comigo sempre (como tu). Não sei bem se é pomba se é rola, é branquinha como a neve e tranquila como a paz.
Perfazem hoje dezasseis anos que partiste para essa morada onde apareceu a ave branca e maciinha.

1 comentário:

casulo disse...

Se a reencarnação existe (e oh como eu gostava de acreditar que sim), aposto que era numa linda pomba branca, meiguinha e maciinha, que a Avó reencarnaria. E claro que te procuraria para a trazeres para junto de ti...