(...) Com as aulas no Seminário, era cerceada a minha liberdade. Tinha de ir logo de manhãzinha cedo para a Vila, de onde só podia voltar à tarde, ao lusco-fusco. As obrigações da minha nova vida de estudante liceal traziam-me um sentimento de restrição, como se a Vila fosse para mim um lugar de degredo. Parecia-me que eu me ia separar para sempre daquele mundo que até então enchera a minha alma. Já não poderia mais sair pelos campos logo de madrugadinha, como de antes. Àquelas horas, ainda os grilos enchiam o campo com o seu cri-cri metálico. Enquanto eu esperava o café, sentia uma vontade desesperada de ir espreitar as codornizes despertarem com o seu palparate característico da ante-manhã;
Pedro Piedade, Pedro Piedade,
béu, béu ...
No campo da preguiça as vacas ajuntavam-se ao pé dos currais onde pernoitaram os filhos, e era um bombar continuado, nostálgico e profundo, que inundava de tristeza meu coração de menino. Já não podia mais ir à boca do curral beber a caneca de leite espumoso. Pela primeira vez, as necessidades e as ambições da vida amputavam as minhas tendências espontâneas. Eu ia para o Seminário como quem vai para a cadeia. Deixava atrás de mim a liberdade. Invejei Tói Mulato e os outros que não podiam frequentar as aulas do Seminário.
Era um mundo novo que se abria para mim. Agora obrigavam-me a ter várias aulas por dia e a estudar matérias novas. Adquiri outros gostos. (...)
Baltasar Lopes
Nova Vega
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