quinta-feira, 7 de abril de 2022

Livros (lidos ou em vias disso)

(...) Com as aulas no Seminário, era cerceada a minha liberdade. Tinha de ir logo de manhãzinha cedo para a Vila, de onde só podia voltar à tarde, ao lusco-fusco. As obrigações da minha nova vida de estudante liceal traziam-me um sentimento de restrição, como se a Vila fosse para mim um lugar de degredo. Parecia-me que eu me ia separar para sempre daquele mundo que até então enchera a minha alma. Já não poderia mais sair pelos campos logo de madrugadinha, como de antes. Àquelas horas, ainda os grilos enchiam o campo com o seu cri-cri metálico. Enquanto eu esperava o café, sentia uma vontade desesperada de ir espreitar as codornizes despertarem com o seu palparate característico da ante-manhã;

Pedro Piedade, Pedro Piedade, 
béu, béu ...

No campo da preguiça as vacas ajuntavam-se ao pé dos currais onde pernoitaram os filhos, e era um bombar continuado, nostálgico e profundo, que inundava de tristeza meu coração de menino. Já não podia mais ir à boca do curral beber a caneca de leite espumoso. Pela primeira vez, as necessidades e as ambições da vida amputavam as minhas tendências espontâneas. Eu ia para o Seminário como quem vai para a cadeia. Deixava atrás de mim a liberdade. Invejei Tói Mulato e os outros que não podiam frequentar as aulas do Seminário.

Era um mundo novo que se abria para mim. Agora obrigavam-me a ter várias aulas por dia e a estudar matérias novas. Adquiri outros gostos. (...)

Chiquinho
Baltasar Lopes
Nova Vega

Nota: Este livro não faz parte do acervo da Casa. Face à minha ignorância do autor e da respectiva obra, o meu amigo ADS fez o favor de o mandar "viajar" da capital ao Oeste profundo, para me proporcionar a oportunidade de usufruir da sua leitura. Baltasar Lopes foi um dos que, em 1936, fundou a revista Claridade e trouxe um novo rumo à literatura de Cabo Verde.

Sem comentários: