quinta-feira, 21 de março de 2024

Palavras bonitas

No Dia Mundial da Poesia, palavras tão antigas e tão actuais.

GUERRA

Quando Francisco Charrua
chegou ao largo gritando:
- Eh! gente, estalou a guerra!
Zé Gaio de alvoroçado
pôs-se a bater o fandango.

Os outros só pelos olhos
falavam surpresa, esperança:
- Será agora? Talvez ...!
Mas Zé Gaio tinha a certeza:
estava a bater o fandango! ...

Já vão dois anos passados.
Agora a telefonia
da venda, à esquina do largo, 
informa todas as noites:
"Uma esquadrilha inimiga
bombardeou a cidade:
morreram trinta mulheres
e vinte e sete crianças."
Agora a telefonia
informa todas as noites, 
dias, meses, anos ... noites:
"Morreram trinta mulheres
e vinte e sete crianças."

... E lá num canto do largo,
coberto de noite e raiva,
Zé Gaio abriu a navalha.
Zé Gaio espetou a navalha
no grosso tronco da faia.

Lá num canto do largo,
a faia toda dobrada
- será do peso da noite
ou do vento da desgraça
que sai da telefonia?

Manuel da Fonseca
Poemas completos
Forja (1958)

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