(...) - E quem devo anunciar? - Arqueou a sobrancelha esquerda, para olhar de cima aquele despojo endomingado.
- Mestre Perramon ... Diga-lhe que fui ajudante do maestro da capela da Catedral. E da igreja del Pi ...
Enquanto falava, ia pensando que mais vale ser cão de casa rica que herdeiro de casa pobre. O lacaio, que também pensava o mesmo, abandonou-o no amplo vestíbulo iluminado pelas janelas que davam para a rua Ample. A vista engasgava-se-lhe com tantas cadeiras, consolas, cornucópias, candeeiros, bibelôs, estatuetas, relógios, cortinas, penas de pavão real, bengaleiros, jarrões de Manises e de cristal de Murano, tapeçarias, quadros cujas molduras eram maiores do que a própria pintura, janelas, escadas, parapeitos de mármore branco com balaústres dourados, bustos de imperadores romanos, do rei Carlos, o outro, o do próprio marquês quando era jovem, esperto, inteligente, simpático e um pouco menos rico, cadeirões forrados com um listado muito elegante e aparente, azulejos que reproduziam arabescos infinitamente complicados, escrivaninhas inúteis com gavetas fechadas, uma armadura solitária e misteriosa, relógios de parede, relógios de mesa, relógios de bolso ... Nunca tinha visto tantas coisas numa só divisão. Sentiu uma tontura ao pensar que aquilo era só o vestíbulo. Então ocorreu-lhe que, talvez, vá-se lá saber porquê, teria sido mais razoável ter batido à porta de serviço. Mas já não havia remédio. Torceu o tricórnio entre as mãos nervosas. Porque é que demorava tanto?
- Faça o favor de me seguir.
Sem comentários:
Enviar um comentário