terça-feira, 16 de junho de 2020

O jeito para línguas

Eram três jovens alunos da Escola, que todos os dias se deslocavam do Bombarral, onde residiam, para frequentarem as aulas nas Caldas. Eram cerca de dezoito quilómetros percorridos no ronceiro comboio do Oeste, apanhado bem cedo, depois de um périplo pelas ruas da vila até à estação da CP.
Naquele dia, a volta que precedia a chegada à estação foi mais longa e passou pelo Largo principal da urbe, onde se depararam com um casal de franceses, necessitado de ajuda para prosseguir o seu caminho, souberam depois, rumo à Nazaré.
Parado no meio da via, não causando, na época, qualquer estorvo ao diminuto trânsito, mas impressionando os olhos dos da terra, um carro vistoso, enorme e brilhante (seria talvez um "boca-de-sapo", mas nenhum deles conseguiu confirmar). 
Na mão do homem um mapa, onde era apontada a Nazaré e, por gestos, os dois cônjuges procuravam indagar o caminho da saída, perante a ausência de qualquer sinalética que fizesse luz. Os interlocutores eram dois ou três adultos, que não conseguiam entender patavina do que pretendiam aqueles seres vestidos de forma meio estranha e que, ainda por cima, falavam uma língua que nenhum deles entendia.
A aproximação dos três jovens foi a salvação ... c'os diabos, três jovens, ainda por cima estudantes nas Caldas (!), saberiam resolver o problema do entendimento e ajudar os franceses.
E assim aconteceu.
Os três já detinham alguns conhecimentos da língua francesa e, com facilidade, perceberam que o problema era o caminho de saída rumo à Nazaré. O L., mais afoito, conseguiu fazer-se entender e, de imediato e, para espanto dos adultos, os três entraram no belo automóvel, iniciando a viagem que, para eles, terminaria em Caldas de "La Reine", e, para os franceses, à custa das precisas indicações dos jovens, culminaria, por certo, num belo banho de mar na Nazaré ou na deslumbrante paisagem do Sítio.
Na viatura, de luxo, a conversa resumiu-se, diz quem participou, a monocórdicos "oui", "non", "à droite", "à gauche", até à Praça da República, em pleno centro das Caldas.
E aqui surgiu a grande dificuldade!
Era necessário transmitir aos franceses que chegara a hora de parar "la voiture", que a hora das aulas se aproximava e que nenhum dos três estava interessado em prosseguir até à Nazaré e qual o caminho que deveriam seguir.
Em vão, cada um buscava a frase necessária, o "abre-te Sésamo que parasse o carro", "o valor de xis desta difícil equação".
O nervosismo e a falta de conhecimentos entaramelavam a língua e a frase, quando parecia quase, quase a chegar, fugia num ápice.
Até que ... "nous ficarrons ici"!
Os franceses entenderam, pararam "la voiture", esmeraram-se em "merci, merci beaucoup" e "les élèves" encaminharam-se a passos rápidos para a escola, onde fizeram jus à sua capacidade de explanação, para espanto e gáudio dos privilegiados que a ouviram.
A aventura foi de tal maneira glosada e gozada que o pobre coitado, que tinha resolvido o problema, foi durante bastante tempo massacrado com o "ficarrons".

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