sexta-feira, 26 de junho de 2020

Cabo Verde

Dos oito, dois eram pretos, nascidos em Cabo Verde, cada um em sua ilha, um em Santiago e o outro no Sal.
Não eram muito expressivos quando falavam das suas origens, parecendo até que tinham algum pudor em desvendar as condições de vida e as dificuldades que por lá existiam. Nunca puxavam esse assunto mas, por vezes, a conversa a isso obrigava e lá vinham as lamentações, os sacrifícios e as dificuldades.
O Adelino era o mais velho, teria por volta de quarenta anos, tinha uma careca acentuada e usava um bigode muito fino que lhe destacava o lábio grosso; o Cula, que ainda não tinha chegado aos vinte, possuía uma farta cabeleira, muito negra e encaracolada. Quando a boa disposição imperava, dizia, rindo-se, que tinha cabelo que sobrava e, quando o cortasse, ofereceria um bocado para colar na cabeça do Adelino, para ele voltar a novo.
Raro era conversarem sobre os seus familiares, mas os olhos ficavam brilhantes quando se falava no regresso e quando chegava a hora da música.
Os dois tocavam cavaquinho e cantavam mornas e coladeras para delícia dos que os ouviam. O Adelino nunca cantava sozinho. Deixava essa tarefa para o Cula, que tinha mais força na voz, fazendo coro quando a música o exigia. A concentração era total na música e os seus dedos dedilhavam o cavaquinho com uma velocidade e uma beleza que atraía ouvintes de outras salas, até que alguém vinha pôr cobro ao concerto e mandava toda a gente sossegar.
Sem nenhumas saudades desses tempos, restou apenas a lembrança daqueles dois amigos que muito me ajudaram e nunca mais vi, o gosto pela música de Cabo Verde e o ter aprendido, bem cedo, a diferença entre a morna e a coladera.


4 comentários:

Anónimo disse...

Sublime escolha. Quem teria sido aquele que primeiro descobriu o enorme poder da música?!

Anónimo disse...

VERDE CABO DI NHAS ODJOS (Teófilo Chantre/Luís Pastor)

Verde Cabo di nhas odjos
Verde de verde esperança
Mas verde que tristeza
Desse verde mar di lágrimas

Verde Cabo di nhas odjos
Verde de verde di maçã
Mas verde que midjo verde
Verde de verde manhã

Verde vida, verde sonho
Cabo verde qui ta prendê-me
'M ta voltá pa bô terra verde
E verde ta ser nha alma

Verde Cabo di nhas odjos
Cabo verde di nha sangue
Mindelo dei nhas amor
São Vicente ta guardó-be

Verde Cabo de nhas odjos
Mindelo di nhas maior
'M qu'rê morrê na bô verde
E vivê na nhas canção

Casa da Ginja disse...

Para quem quiser ouvir: https://www.youtube.com/watch?v=rdjuCDrI-KU

Anónimo disse...

Sodade, Sodade
Cabo Verde. São Vicente, Mindelo, Matiota, Monte Sossego, Baía das Gatas.
Mornas, coladeras, cachupa.
Anos de juventude que se vão perdendo no longe e na distância.