quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Palavras bonitas

Nicolau Santos, jornalista e poeta, vem declamando quase diariamente, no Instagram, versos de diversos autores, na sua grande maioria portugueses. Sou "visita", ouço com muito agrado alguns que já conhecia e muitos outros que são novidade. São sempre momentos agradáveis, quer pelos poemas quer pela qualidade da voz que os recita.

Hoje ouvi, de Fernando Assis Pacheco, um belo poema sobre o desaparecimento de Ruy Belo, outro grande poeta, natural de aqui bem perto - S. João da Ribeira.

Tenho aquele livro, disse para mim.

Fui à estante e lá estava ele.

PRESO POLÍTICO

1

Quiseram pôr-me inteiro numa ficha.
O dia e a noite são iguais por dentro.
Não há papel que conte a minha vida
mais que estes versos de punhal à cinta.
A barba cresce, e cresce a voz armada
descendo pelos muros tão tranquila;
tão tranquila que já nem desespera
de ser apenas voz, não uma guerra.

Quiseram pôr-me inteiro numa ficha.
Não há papel que conte a minha vida.
Mais que estes versos, esta mão estendida
por sobre os muros só de medo e pedra.

2

Quando saíres, amigo, não me esqueças.
Fico à espera da tua novidade.
Olha bem que farás da liberdade:
quando saíres, amigo, não me esqueças.

Quero mais fazimento que promessas.
São de prata os enganos da cidade
com que outros sujeitam a vontade
Não me esqueças, amigo, não me esqueças.
                                                              1966
A musa irregular
Fernando Assis Pacheco
Edições Asa (1997)

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