sábado, 3 de abril de 2021

Palavras bonitas

ANJO INCOLOR 
 
Abri o livro na altura
em que o Anjo me sorria
e em vez de mel prometia
amor, descanso e ternura.

Falava como que a sós.
E as palavras flutuavam.
Eram pombas que poisavam
no fio da sua voz.

Escutei-o de olhos no chão
como se fosse o culpado,
como se o mundo enredado
estivesse na minha mão.

Abri o peito e mostrei-lhe
a areia, a pedra britada,
os planos da grande estrada
onde o Anjo se ajoelhe.

Ele fitou-me, de frente,
de olhos frios como brasas.
E abrindo e fechando as asas
rasgou o céu, lentamente.

Sobre a folha imaculada
por longo tempo nevou.
Sentei-me à beira da estrada
mas o Anjo não voltou.

Poesias Completas (1956-1967)
António Gedeão
Portugália (1975) 

1 comentário:

Anónimo disse...

Ainda há tempo. Colorido ou incolor, virá numa qualquer Primavera.