quarta-feira, 15 de março de 2023

Boné

Traz sempre o boné, já velho, que, na maior parte do tempo segura na mão, a evidenciar a subserviência e o respeito pelos outros, conforme aprendeu muito novo e lhe foi incutido como dever. Já ninguém lhe pede que descubra a cabeça nem que mostre esse claro acatamento das diferenças. Muita gente fica, até, incomodada com um comportamento tão antigo e hoje claramente desnecessário, e talvez, até, ofensivo. Foi assim que aprendeu e não consegue alterar.

- Deixe-se disso. O respeito pelos outros é bonito, necessário, até agradável de notar, mas só isso.

Mas ... não consegue cumprimentar ninguém sem tirar o boné. O gesto é automático, irreflectido, instantâneo. E lá segue na sua viagem, descobrindo-se no cumprimento, em qualquer serviço público, na loja, no café, na igreja. Em todo o lado o Zé tira o boné. A ausência de cabelo devia torná-lo mais cuidadoso, mas não é isso que acontece. Foram muitos anos a reverenciar os outros, descobrindo a cabeça que agora é careca e não tem medo de apanhar algum resfriado. 

Usar boné é hoje ser distinto, estar à la page, ter presença, ser notado, reconhecido e distinguido, sem necessidade de tirar o dito, não vá o cabelo aparecer oleoso e com sinais de ausência da higiene diária.

O Zé é teimoso e continua a retirar da cabeça o seu velho boné, sempre que cumprimenta alguém ou entra na roda. Tem cá um feitio ...

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