A vizinha tinha entrado sem ser convidada, como era costume. Os seus olhos não saíam da frigideira e o nariz parecia extasiado, se é que o apêndice que nos divide a face também tem emoções.
- Ora viva! Gosta de carapauzinhos fritos, de um dia para o outro?
A pergunta foi oportuna e surtiu um efeito trapalhão na resposta.
- Adivinhou. Adoro carapauzinhos fritos, sempre. Quanto mais pequenos, melhor, e bem fritinhos, para ser possível comer tudo, espinhas incluídas.
A compostura foi recuperada num ápice e os olhos riram-se, diante da perspectiva do petisco adorado e ainda por cima de borla.
- Ainda bem. Passe por cá amanhã, que eu estou a fritá-los agora.
A mulher fritava os carapaus adquiridos logo pela manhã. A peixeira, que percorria a aldeia com a canastra na cabeça sempre coberta pelo lenço enorme e bem ornamentado de cores e flores diversas, raramente trazia os carapauzinhos indicados para fritar. Era claro que o peixe comprado era pouco para a prole e, por isso, não era muito indicada a hospitalidade e a partilha. A prole era grande, adorava aqueles peixinhos pequenos, acompanhados de um arroz de tomate saboroso, como sempre.
A habilidade da linguagem transmitiu o recado, sem hostilizar nem criar qualquer sentimento de recusa. Como todos sabem, os carapaus fritos ainda podem ficar melhores no dia seguinte ... quando sobram.
O problema é que nunca sobram ... são tão pequeninos e óptimos.
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