domingo, 5 de março de 2023

Palavras bonitas

    disseram: mande um poema para a revista onde colaboram
                                                                                        todos
    e eu respondi: mando se não colaborar ninguém, porque
    nada se reparte: ou se devora tudo
    ou não se toca em nada,
    morre-se mil vezes de uma só morte ou
    uma só vez das mortes todas juntas:
    só colaboro na minha morte:
    e eles entenderam tudo, e pensaram: que este não colabore
                                                                                        nunca,

    que o demónio o leve, e foram-se,
    e eu fiquei contente de nada e de ninguém,
    e vim logo escrever este, o mais curto possível, e depressa, e
                                       vazio poema de sentido e de endereço e
                                       de razão deveras,
    só porque sim, isto é: só porque não agora

Herberto Helder
Servidões
Assírio & Alvim (2013)

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