terça-feira, 20 de setembro de 2022

Gordo

A proeminente barriga dificultava-lhe os movimentos. Sem solução. Não havia remédio que resolvesse o problema. Era assim e pronto. Toda a gente lhe dizia que comia demais e ele tinha plena consciência disso. Que havia de fazer? Para ele, a mesa era um altar de preces e a comida, o meio de concretizar a devoção.

Todos os dias, quando balanceava o que havia feito, prometia corrigir o seu vício no dia seguinte. As razões que justificavam essa vontade ele sabia-as bem: a mobilidade era cada vez menor, os fatos cada vez mais apertados e difíceis de arranjar, as tarefas a complicarem-se todos os dias, a paciência para escutar recriminações e conselhos a desaparecer.

- Amanhã é que vai ser!

E não era. Comprometia-se para o dia seguinte, bem sabendo do falhanço antecipado.

- E se jejuasse um dia. Talvez resultasse.

Tentou. A manhã passou sem problemas de maior. A hora do almoço chegou e a vontade de comer manifestou-se. Bebeu água, muita, de tal maneira que a bexiga se queixou e obrigou-o a dar-lhe a importância como, até aí, nunca tinha acontecido. Passou ao lado do lanche e recusou a oferta de um colega para o cafezinho das cinco.

Iria voltar para casa e talvez as coisas se compusessem. Foi exactamente o contrário. O regresso revelou-se difícil. O cérebro não dava tréguas nem permitia que outros pensamentos desanuviassem o sofrimento, que já era atroz. A mesa posta e a comida saltavam à sua frente. O estômago fazia-lhe cócegas. A cabeça começava a doer. Desistiu.

Entrou no primeiro restaurante que lhe apareceu pela frente. Sentou-se e pediu comida, com urgência. O que houvesse feito e pudesse ser comido no imediato. Saciou-se a preceito, fazendo vista grossa à estupefacção de todos face à quantidade ingerida e à sofreguidão exposta.

Nunca mais repetiu a experiência. A cada comentário ou conselho que lhe transmitem, responde sempre:

- Mais vale ser gordo do que ficar maluco!

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