"(...) É natural um engenheiro sonhar-se feito só de gestos simples. No dia em que conheceu Camille, Tomass prometeu a si mesmo evitar gestos extraordinários. Por outras palavras, ia guardar as mãos nos bolsos. Por outras palavras, ia manter as mãos no sítio. Falhou, naturalmente. Tomass aproximou-se de Camille como se o instante estivesse ao mesmo tempo a acontecer e a ser manuscrito. O momento não era um destino, era uma descoberta. Ainda pensava ter as mãos nos bolsos, já Tomass era um fetiche entre os dedos de Camille. Sentiu a cabeça reduzida às dimensões de um totem do pacífico, a imagem diminuta de um rinoceronte estereotipado, dois cornos, um grande e um pequeno, a pele tesa por fora.
- Este é o meu corpo - disse Tomass, a medo.
- Eu sei.
Camille sabia. Era mulher capaz de construir um homem novo, de baixo para cima, sem aquele respeito exagerado pela alma. Camile era a respiração do quarto e a arquitetura do dentro, era vontade, embora carne. Carne! Que palavra agradável, carne! Devia ser proibida!
- Eu sou uma liberal, mas no bom sentido.
- Pois, já vi. Não conhecia.
Camille elevava-se acima de Tomass, como o mar, feminino em francês, masculino em português e feminino e masculino em espanhol, dito castelhano. Camille era um mar afirmativo, em inglês, língua franca, feliz e fácil. Camille era o chefe, o patrão, o capataz. Gerações consecutivas de bondade e maldade repovoavam a atmosfera do quarto, alterando o clima, derretendo os gelos e resgatando do frio mamíferos minúsculos, irreconhecíveis a pequenas distâncias.
- Liberal à europeia ou à americana?
- À americana, claro.
- Eia, grande coração! - exclamou Tomass, deliciado.
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