quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Livros (lidos ou em vias disso)

A Tinta da China promoveu, no ano passado, um "Clube" de leitores do qual faço parte desde o início. Mensalmente, recebo um livro novo, ainda antes de esse livro ter entrado no circuito comercial, o qual circuito, diga-se, me parece ser cada vez mais restrito em qualidade e alargado em quantidade. A abertura da caixa que traz o livro, sempre acompanhado por uma "graça" de utilidade, cria alguma ansiedade, uma vez que não faço a mais pequena ideia do que irá surgir e estou (ainda) habituado a folhear quase todos os livros antes de os adquirir. Até aqui, têm sido sempre excelentes surpresas, que bem justificam a decisão tomada.

Há três dias recebi o exemplar deste mês. Nele,  António Mega Ferreira faz um roteiro por palavras perdidas no tempo, ordenando-as alfabeticamente, debruçando-se sobre a sua origem e divagando sobre as razões que as levaram ao desuso. O autor refere, no preâmbulo, que apenas utilizou 80 das 250 palavras que inventariou. Dei por mim a confirmar que o meu "computador" já colocou no seu "lixo" tantas palavras bonitas ...

"(...) FINEZA - Há mais de meio século era corrente ouvir, em qualquer loja da Baixa, pedir a fineza de, solicitar um obséquio, reclamar a bondade de. Eram tudo formas mais ou menos preciosas (estas eram mesmo preciosas) de pedir um favor, demandar um serviço, chamar a atenção. No tabuleiro dos rituais de interação social, tanto como as formas de tratamento ("você é estrebaria" era a condenação comum de uma forma que agora se tornou corrente, tal como há 50 anos previa Luís Filipe Lindley Cintra, no seu ainda hoje fundamental estudo Sobre Formas de Tratamento na Língua Portuguesa, publicado em 1972), as saudações e fórmulas de cortesia tinham uma gradação exigente, cuja valorização social classista sempre espreitava por trás da expressão utilizada. Aliás, Cintra sublinhava que a relativa maior complexidade das formas de tratamento no português europeu (o que é usado em Portugal) refletia uma hierarquia social muito rígida, definida e gradativa. Quando em 1974 se abriram as comportas do discurso e da interação, tudo isso foi varrido no lapso de uma geração. Antigamente, a fineza e o obséquio eram um suplemento de cortesia que mascarava um mal-estar social, uma espécie de insegurança no relacionamento com os outros. Normalmente, o seu emprego era desproporcionado em relação ao favor que se pedia. (...)"

Roteiro Afetivo de Palavras Perdidas
António Mega Ferreira

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