A quarentena não impede o cabelo de crescer, parece, até, que o crescimento ainda acontece mais depressa. Ou talvez não e seja apenas impressão.
Há seguramente dois meses que não vou ao barbeiro, a minha trunfa está enorme e, estranho, cada vez mais branca. Juro que a não lavo com Omo, Tide, Extra ou qualquer outro detergente. Todavia, aquele companheiro das manhãs, que habita o espelho enquanto me barbeio, lá me vai dizendo que já não são só as rugas, as manchas brancas da barba e as cãs, que me dão o estatuto de velho, agora designado de idoso, para ficar mais bonito. (Na tropa, quando por lá andei, dizia-se que os novos eram "maçaricos" e que os velhos, felizardos, tinham a "peluda" à porta.)
O comprimento do cabelo, ainda por cima com o aspecto de quem apanhou um nevão na Suíça, reforça o estatuto e dá o charme gostoso, como dizem os brasileiros.
Mal seja dada luz verde para isso, ligarei para o meu barbeiro (não me habituo a cabeleireiro, mas reconheço que é muito mais chique) e marcarei a visita tão ansiada. Não haverá conversas com outros clientes, que não poderão estar, e, tenho quase a certeza, o barbeiro falará da situação, dos problemas que ela (lhe) trouxe e trará, da falta que sente do Benfica, apesar de ter visto vários jogos antigos - Não é a mesma coisa! - da política e de - Onde é que isto vai parar? - , tudo isto atrás de uma máscara, peça essencial no vestuário moderno.
Esta noite sonhei com a barbearia. Era eu jovem e ela um local de encontro para gente de todas as idades. O barbeiro esforçava-se por ter sempre gente na sala ou na pequena escadaria que lhe dava acesso. Havia dois jornais do dia - O Século e A Bola - e alguns dos dias anteriores. Por vezes e por estranho que possa parecer, até se podia ler (quem sabia, claro) a Plateia, a Crónica Feminina e o Século Ilustrado.
A cavaqueira era um regalo, com comentários internos e externos de encher o olho a quem dava os primeiros passos nas "interpretações maldosas".
- Álcool ou sublimado?
- Álcool, claro. Ainda hoje não matei o bicho.
E o barbeiro lá desinfectava a cara do freguês, enquanto ele saboreava o pouco que escorria para junto dos lábios.
Naquele dia não havia ninguém sentado na cadeira e a bata branca do barbeiro sobressaía dos quatro ou cinco que se sentavam na escadaria a apanhar um sol envergonhado.
A mulher conduzia o burro, carregado de batatas e repolhos, que iriam ser vendidos no mercado. O burro, apesar do esforço a que ia sujeito, levava pendurado um enorme membro preto, que quase roçava o chão e se tornou logo motivo para a chacota do costume.
- Ó senhora, olhe que o burro leva a cilha desapertada, gritou o barbeiro com o seu jeito gozão, à procura da gargalhada dos convivas.
A resposta não se fez esperar.
- Eu bem disse ao meu homem para trazer antes a burra. S....a do bicho, assim que vê p........s, fica assim ...
Silêncio absoluto e o sol, agora sem vergonha, tornou ainda mais belo o belo dia!
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