terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Corrupção ou solidariedade

Um homem alto, espadaúdo, bem falante, capaz de manter uma conversa escorreita, quando não estava de serviço. Fardado, era intratável, roçando sempre a arrogância e a malcriadice. Agente da PVT, acrónimo de Polícia de Viação e Trânsito, designação oficial, à época, da autoridade a quem competia a fiscalização do trânsito e a aplicação das multas por excesso de velocidade, por peso a mais, por deficiente arrumação das mercadorias, e por muitas outras infracções, algumas "inventadas" à última da hora, para justificar o serviço e o "papelinho".

O posto dos "Provadores de Vinho Tinto", como eram conhecidos na gíria, funcionava à saída da cidade (ou à entrada, para quem vinha do sul), era dotado de uma balança de pesados e estava quase sempre aberto, mesmo a horas fora do comum. Paralelamente, havia agentes a deslocarem-se de mota, na procura de infracções protagonizadas por condutores que utilizavam outros caminhos que não os que passavam pelo posto. Muitas vezes, os veículos de mercadorias apanhados "por aí", eram obrigados a vir "à balança" por suspeitas de peso a mais, só possível de confirmação no tal equipamento situado nas traseiras do redondo edifício.

As empresas, ou melhor, os patrões, na linguagem comum à época, tinham receio da PVT  e procuravam ter com eles as melhores relações, distribuindo lembranças regularmente, em espécie ou mesmo em dinheiro vivo. Por vezes, eles apareciam, à civil, para cumprimentar e, com esse cumprimento, se fazerem notados e lembrados. Era sinal de que o abastecimento não tinha acontecido ou o gasto havia sido demasiado e era necessário reforçar o stock.

- Não precisa de nada? Uma caixinha branco, ou é melhor tinto?

- Já que insiste, pode ser uma de cada.

Daquela vez, o assunto era complicado, via-se bem, e a conversa tinha de ser com o patrão. Havia algum nervosismo, o que não era nada costume. O encontro foi proporcionado e a conversa deu-se.

- Sabe, decidi construir uma "barraquita" e, como o ordenado é pouco, conto com a ajuda dos amigos.

- E como posso eu ajudar? De que é que precisa mais?

- Tudo. Cimento, areia, madeira, tijolo, fretes, o que lhe for possível. Tudo faz jeito.

A "barraquita" ainda hoje existe, com um jardim frondoso à frente e um terreno extenso, nas traseiras. A "olho", deve ter mais de duzentos metros quadrados e desenvolve-se em dois pisos. Uma "barraquita" ...

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