domingo, 14 de fevereiro de 2021

Lascarino

Era "rodas baixas", de olhos azuis, felinos. Nunca parava quieto e o seu lugar era sempre o pior, sendo o melhor o do outro. Ninguém lhe reconhecia o valor e esse valor era imenso. Irrequieto, perguntava tudo a todos, para não perder nada e impedir que alguma coisa lhe escapasse, por ínfima que fosse. 

Preocupava-se se o chefe não dizia nada, ralava-se se chamava a atenção, comentava "entre dentes" se falava para todos. "Cusco", como convém aos "leva e traz", era descarado a perguntar e conciso na pergunta. A resposta, ele se encarregaria de apimentar e de florear, acrescentando na transmissão a sua verve, o seu parecer, sempre acompanhado do seu pedido ao interlocutor para que não dissesse nada a ninguém. "É segredo!".

Sabia tudo e, quando não sabia, inventava. A única coisa que, verdadeiramente, o preocupava, era a certeza de que os outros o consideravam a única fonte do conhecimento dos bastidores, das cusquices, dos enredos, do que aí vinha, do que já não viria, de tudo e de nada.

A sua propensão para transportar e transmitir era utilizada por quem, antes de tomar decisões, queria saber o que pensavam os destinatários. E ele fazia-o na perfeição, saltando e correndo para que não houvesse ninguém fora do inquérito, sem nunca se esquecer de referir o carácter secreto da pergunta e o arquivamento tumular da resposta.

Um lascarino, diria a minha mãe.

1 comentário:

Anónimo disse...

Logo, ao ler o título, me lembrei...