sexta-feira, 14 de abril de 2023

Gatos

O gato sobe a rua, cauteloso, como que antevendo qualquer desgraça que lhe possa estar reservada. As patas já não têm a elasticidade de outros tempos, a agilidade é quase inexistente, a dificuldade da pequena subida é um pesadelo, como se se tratasse da Serra da Estrela. Os anos não perdoam, nem mesmo aos gatos.

Pára junto ao candeeiro. Há ali um papel afixado, com fotografia a cores. Está escrito em linguagem humana, decerto impossível de entender por quem nunca passou do recreio da escola e com todo o cuidado, para não ser corrido. O A4 contém uma mensagem, em letras enormes:

Sou o Fofinho!

Siamês e castrado. Se alguém me encontrar, ligue para o ??? ??? ???.

O gato, velho e cansado, parou. Não é dele a fotografia nem podia ser. Já não é fofinho, se é que algum dia o foi. Não é castrado mas, nesta altura da vida, é como se fosse, e isso já lhe é completamente indiferente. Olha para a figura do seu parente longínquo, que até usa coleira, tem aspecto saudável e está bem nutrido. Por onde andará? Noutros tempos, com facilidade faria uma investigação pelas zonas mais recônditas da cidade e talvez o ajudasse no regresso ao lar. Agora, tomara ele que não venha nenhum carro enquanto descansa. Já não consegue fugir e há gente muito distraída.

Como é diferente a vida: um, tinha um lar e abandonou-o, sem razão aparente e sem ser por amor, que é assunto em que não é versado desde muito novo; o outro, coitado, precisava de um lar ou, pelo menos, uma Gataria Residencial para Idosos, onde obtivesse algum carinho. 

Arrasta-se pela rua, em busca de um pouco de sossego num cantinho esconso, sempre com muita atenção aos pópós, não vá o diabo tecê-las.

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