quinta-feira, 6 de abril de 2023

Livros (lidos ou em vias disso)

(...) Portanto, a meio de uma das montanhas que dominam Palermo ergue-se uma pequena cidade célebre pelos seus monumentos antigos, Monreale; e era nas imediações desta terra alta que operavam os últimos malfeitores da ilha. O costume de colocarem sentinelas ao longo do caminho manteve-se. Com que objectivo: tranquilizar ou assustar os viajantes? Não sei.

Os soldados, dispostos a cada curva da estrada, lembram a lendária sentinela do Ministério da Guerra, em França. Durante dez anos, sem se saber porquê, era colocado diariamente um soldado de plantão no corredor que conduzia aos aposentos do ministro, com a missão de afastar da parede todos os transeuntes. Entretanto, um novo ministro, de espírito inquiridor, que sucedeu no cargo a outros cinquenta que tinham passado sem qualquer tipo de espanto pela sentinela, resolveu perguntar o porquê daquela vigilância.

Ninguém foi capaz de lhe responder, nem o chefe de gabinete, nem os funcionários colados há meio século às suas cadeiras. Mas um contínuo, homem com boa memória, que talvez guardasse por escrito as suas memórias, lembrou-se de que lá tinha sido colocado outrora um soldado porque a parede acabara de ser pintada e a mulher do ministro, desconhecendo o facto, manchou nela o seu vestido. A pintura tinha secado, mas a sentinela lá continuou.

Então os bandidos desapareceram, mas as sentinelas permanecem na estrada para Monreale. (...)

A vida errante
Guy de Maupassant
Tinta da China (2023)

P.S. Texto escrito nos finais do século XIX. Quantas situações idênticas ainda existirão por aí?

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