domingo, 16 de abril de 2023

Pendura

O encontro tinha sido combinado por uma razão qualquer que já caiu na gaveta do esquecimento. Devia tratar-se de alguma comemoração importante ou de discussão de um assunto premente para os três. Nessa altura, não havia telemóveis e muito menos grupos de conversa fiada. Foi decidido: no final daquele dia (quarta-feira ?), juntar-nos-íamos em Óbidos, antes de regressarmos a casa. O local era uma tasca bem perto do local de trabalho do L., que gabava muito os petiscos feitos pela dona e estava convencido de que iríamos gostar. Juntava-se o útil ao agradável, por as ocupações dos três dificultarem a cavaqueira de que tanto gostávamos.

A estrada que nos trazia de Peniche não era, ainda, o IP de hoje e era difícil fazer o trajecto em menos de meia hora. Ficou acordado que tentaríamos chegar por volta das seis, embora fosse difícil fazer previsões num trabalho que tinha muito de surpresa e nada de desligar a máquina quando chegava a hora. E as horas a mais ficavam sempre ausentes da folha de pagamento ...

Devemos ter cumprido o horário previsto e o carro levou-nos mesmo até à porta da tasca. Ainda era permitida a circulação automóvel na vila, embora a entrada na porta da dita requeresse alguma perícia. O L. já estava sentado à mesa, num reservado que a senhora da tasca nos facultou, para que o repasto fosse mais recatado e sem necessidade de cumprimentos constantes. Os três eram conhecidos na zona, sendo o L. o que mais gente cumprimentava. 

Quando entrámos, um personagem desconhecido acompanhou-nos, com grande descontracção e tomou lugar de imediato na mesa. Deduzimos que seria algum amigo do L., que não conhecíamos e que ele teria convidado. Comemos, bebemos, como se os quatro se conhecessem perfeitamente há muito. Quando nos preparávamos para iniciar a "importante" conversa, o "amigo" despediu-se:

- Tenho de ir. Já estou atrasado e a minha mulher fica preocupada. Obrigado e até à próxima.

 - É teu colega?, perguntámos ao L.

 - Não. Entrou convosco. Pensei que era vosso amigo.

- É preciso ter lata ...

Estava descoberto. A barriguinha dele já ia cheia, à borla. Dividimos a conta por três, embora tivessem sido quatro a morfar e o pendura talvez o que mais enfardou.

Trinta anos depois, o L. já partiu há muito, a recordação mantém-se fresca e o pendura continua por identificar.

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