segunda-feira, 3 de abril de 2023

Homofonia

muito que a senhora professora queria desafiar os seus alunos e levá-los à descoberta de situações específicas da língua portuguesa, que a tornam tão rica.

Naquele dia resolveu seguir o conselho do inspector do concelho com quem, na semana anterior, tinha trocado umas ideias sobre o que lhe ia na cabeça e sentido um apoio incondicional à ousadia, sem nenhuma objecção.

Depois de permitir que os meninos saltassem a barreira de buxo existente no recreio, aguardou que enchessem o bucho com o lanche da manhã e voltassem a entrar na sala de aula.

Já com todos refastelados nos respectivos assentos, dirigiu-se ao quadro negro e, pegando no giz, nele inscreveu a palavra  VITÓRIA, não olvidando o necessário acento, fundamental para lhe dar o sentido pretendido. Disse-lhes que aquela era a palavra que serviria para premiar o aluno que, sem qualquer ajuda, conseguisse citar o maior número de palavras homófonas.

A sua voz foi clara quando proclamou:

- Sois vós que deveis tentar descobrir o maior número delas, num máximo de seis. A vitória será da turma, se todos conseguirem chegar ao resultado pretendido.

Os alunos sentiram que o desafio era enorme, tão grande como a hera que subia pelas paredes da escola e quase a cobria.

- Tenham bom senso em todas as respostas e tenham presente que eu farei o censo de todas elas com a maior atenção e informarei o inspector concelhio. 

Os alunos mostraram grande excitação pelo desafio, que se apresentava muito diferente do que era habitual.

- As respostas devem ser escritas num papel, com o nome de cada um, e dobrado em quatro partes. Deverão colocar os papelinhos no cesto que se encontra na secretária e, ao sexto papel, a prova acaba. O objectivo é que todos respondam, pensando muito bem nas respostas que darão e tentando apenas utilizar as certezas que tenham.

O Carlinhos estava delirante. Lembrou-se logo que o paço do seu vizinho era uma construção enorme, com jardim e tudo, e que ele costumava sair de casa, logo pela manhã, em passo acelerado. Escrito e dobrado o primeiro papel, a tarefa tornou-se mais difícil e o Carlinhos segurou a cabeça com a mão esquerda, esperando que o lápis lhe desse outras hipóteses.

Pensou, coçou a testa, mudou a mão que segurava a cabeça e esta negava-lhe resposta. Com apenas um papelinho, ficaria entre os últimos, ele cuja ambição era sempre ganhar. Pensou, meditou e, de repente:

- A minha mãe esteve ontem a coser as minhas calças, enquanto, no fogão, o peixe estava a cozer para o jantar. Mais duas ... Faltam outras tantas.

Lá fora, o cavalo passou a galope. O cavaleiro ia bem sentado na sua sela, evidenciando o seu garbo equestre. Todos os alunos levantaram os olhos e invejaram o seu porte, a sua elegância e destreza, a liberdade de que usufruía. Só a professora conheceu o cavaleiro e sabia que ele tinha estado encerrado numa cela da prisão, de onde tinha saído nessa manhã.

Não disse nada. A tarefa foi concluída por todos mas nenhum conseguiu as seis palavras! 

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