terça-feira, 22 de julho de 2025

Nuvens negras

Julho está quase a chegar ao fim! Muita gente já recebeu o seu ordenado ou a sua pensão, ainda sem as diminuições da retenção do IRS. Muitos nem sabem o que isso é, mas uma boa parte notará bem nas folhas de Agosto e Setembro. A falta de recursos humanos para efectuarem os cálculos é a causa e não, nunca, como apregoam as más-línguas mal intencionadas, a aproximação das autárquicas.

O tempo, que permitiu uns bons mergulhos "fozenses", numa manhã de solinho, com uma brisa agradável, aparece agora com novidades, escurecendo e pingando, pressagiando que, como de costume, o primeiro de Agosto será o primeiro de Inverno. 

Ainda dará oportunidade de mais alguns mergulhos, mas o céu está a escurecer e aquilo que pareciam ser "favas contadas" nas presidenciais, surge agora com um resultado imprevisível, mesmo para os grandes literatos do assunto. O cenário apresenta um tempo instável, parecendo que, afinal, o campeonato, que ainda nem começou,  vai ter duas rondas e não há ninguém para ganhar "sem espinhas". 

Tudo indica que terei de votar sem óculos ...

segunda-feira, 21 de julho de 2025

Livros (lidos ou em vias disso)

"(...) Por recomendação de uma amiga da minha mulher, enfarinhada em gozos acessíveis à bolsa, marcámos férias no hotel da FNAT na Foz do Arelho. Face à minha irresolução Noémia trataria de tudo, não desistindo de me estimular entretanto com projectos e projectos durante a estadia. Era para ela como se nos deslocássemos em veraneio à Côte d'Azur, ou aos Mares do Sul, e uma prodigiosa aventura se abrisse à nossa frente. Preparou quatro malas com o conveniente ao efeito, mudas de roupa, toalhas e óculos escuros, duas almofadas insufláveis, e o inevitável bronzeador. Além disso incluiria para mim uma trousse de latex que, e ainda à antiga, denominava <<o maillot>>, e uma indumentária para ela, estampada com uma minudência de palmeiras e ananases, e expondo-lhe com modéstia algumas zonas do corpo, à qual chamava <<o fatinho de sol>>.

Aquilo transformar-se-ia porém num desterro insuportável, desprovido da papelada que significava a coluna dorsal dos meus dias, e por isso encolhia-me num amuo acidulado. Mantinha-me à sombra do mastodôntico edifício que tresandava aos restos acumulados das insípidas refeições, e votara um ódio sem fim à mera ideia das ardências do areal. Quanto aos hóspedes, e referindo-me primeiro aos do sexo masculino, arrastavam-se em tardes e noites de campeonatos de sueca, ou de king, e os mais velhotes tombavam de borco, ora taralhoucos, ora ensonados, sobre as perdas do dominó. Relutantes a desvendar as misérias das banhas, as idosas mães de família sentavam-se em perpétuo num minúsculo banquinho de madeira, tapando os joelhos com uma écharpe de chiffon, no intuito de que não lhes devassassem as coxas branquíssimas. As novas em conclusão falazavam sem parança, e todas a um tempo só, acerca de coisas e loisas, e entre contos e ditos.

Certa vez, e como se condescendessem em nos oferecer um lauto presente, trouxeram para nos divertir um cantor de olheiras cavadas, carpindo em boleros os seus dissabores de corno inato, mas levantando atrás de si os haustos das fãs sem aconchego. Setembro chegado, dera de assobiar um ventinho barbeiro que enregelava até mesmo os intrépidos, e sempre que eu procurava fugir a tão triste desconchavo, topava nas traseiras do casarão com as cozinheiras, e as respectivas ajudantes, fardadas como pessoal de enfermagem, mas de bata encardida, que lavavam à vassourada os panelões do seu ofício. Regressei espavorido, enjoado por um travo de enxúndias moídas, e temperadas em excesso. De tripa assanhada, ora pelos comeres que empanzinara, ora pela cólera para que não descobria refrigério, jurei e trejurei, e muito contra o silêncio de Noémia, jamais repetir o esquema balnear. (...)"

Cruzeiros de Inverno
(Menina sentada)
Mário Cláudio
D. Quixote (2025)

domingo, 20 de julho de 2025

Atleta aniversariante

O Algarve, mais concretamente a cidade de Loulé conta, há já alguns dias, com a presença de um nadador ilustre, a disputar o Campeonato Nacional de Infantis de Natação Loulé 2025. 

Não teria nada de extraordinário - mais um entre tantos - mas este é especial: é o meu neto, segundo na escala da chegada e último na cronologia dos aniversários anuais. E se, só por isso, já se justificaria o destaque, acontece que hoje o Vasco completa 14 anos, lá bem no sul do país, debaixo de uma canícula forte e muito diferente da oestina, e "apenas" com a companhia dos pais, do irmão e dos elementos da sua equipa.

É diferente do costume, mas será um aniversário inesquecível.

Parabéns, meu neto. Estás um homem, já maior do que eu. Amanhã dar-te-ei aquele abraço apertado, bem merecido, pelo aniversário, pela força e pela qualidade. BOM DIA!

sexta-feira, 18 de julho de 2025

Vejam bem ...

Vejam bem
Que não há só gaivotas em terra
Quando um homem se põe a pensar
(...)

José Afonso

O estado da Nação esteve ontem em debate na Assembleia da República e proporcionou um espectáculo bem elucidativo da miséria a que chegámos.

Fanfarrões e frouxos, cobardias e ofensas, citações eloquentes mas erradas, àpartes de taberna já fora de horas, houve de tudo, ilustrando, sem margem para dúvidas que, cada vez mais, os debates são mais acesos quanto menor é o nível dos discursos.

E como se isto não fosse suficiente, parece ser "voz" corrente nas redes ditas sociais que há muita, mas mesmo muita, gente nova a torcer para que "a moda" se propague sem roque mas com rei à espreita.

Embora o caminho se faça caminhando, há muita gente com a ideia de que o importante é calar a opinião do outro.

Haverá preço e não serão os velhos a pagá-lo ... 

quinta-feira, 17 de julho de 2025

Barracas

Apetecia-me escrever sobre Gaza, Ucrânia, Síria, ou sobre o Bairro do Talude, em Loures. Falta-me em competência o que me sobra em rancor e correria o risco de ser mandado às urtigas por me meter onde não sou chamado, arrimado na minha condição de burguês bem instalado numa casa a sério.

Não resisto a uma pergunta elementar, que ainda não vi respondida, talvez por me faltar a pachorra necessária para escutar as explicações tipo "e, para cúmulo da chatice, tanto falou e nada disse". A pergunta é esta: há quanto tempo começaram a ser construídas as "casas" do Tapume? Talvez a resposta seja: no início da semana passada. Se assim foi, aquela gente merece ser contratada desde já para um lugar de responsabilidade nas grandes obras nacionais, dada a capacidade evidenciada para construir num instante.

Se assim não foi, surgem outras perguntas pertinentes: ninguém deu por aquilo antes? Foi decidido demolir agora, por se presumir que os habitantes estariam de férias no Algarve?

Não se brinque com coisas sérias! As (re)eleições não podem justificar tudo!

quarta-feira, 16 de julho de 2025

Actualidade

Ontem foi noite de teatro e, um pouco fora do habitual, até nem estava frio. O casaquinho do costume fez jeito e deu o conforto suficiente para a atenção que foi necessária.

A plateia estava completa, para assistir a mais uma excelente produção do Teatro da Rainha - a comemorar 40 anos e com uma exposição, linda, no céu de vidro -, desta vez em parceria com o Teatro das Beiras

"A noite dos visitantes", de Peter Weiss, com encenação de Fernando Mora Ramos, trouxe a parábola, velha, às tristes ruínas a que chegou a antiga Casa da Cultura. A peça mostra que a história vai repetindo episódios e o teatro continua a carregar o dever de nos lembrar isso mesmo. Aquilo que parece novidade é, afinal, mais um episódio copiado e a maior parte das vezes pior que o original.

Continuamos a ser egoístas, a assobiar para o lado e a aceitar normalizar comportamentos que nos deveriam envergonhar.

Viva o Teatro! 

Nota: A peça está em cena até ao próximo dia 21 de Julho e tem entrada livre.

segunda-feira, 14 de julho de 2025

Normalidade

Não era difícil acertar. É o saber da experiência feito de que falava Camões. 

A Foz e o oeste, há muito que nos habituaram a isto: nortada, bem forte, mar bruto, bandeira vermelha, água fria, que até "corta" os tornozelos. Há-de fazer bem a qualquer coisa ...

E ninguém estranha, a não ser os que por aqui estão de passagem e julgaram ter mais uns dias como ontem.

Esperem, calminhos, sentados e abrigados. Pelo sim, pelo não, tenham um casaquinho sempre à mão!

domingo, 13 de julho de 2025

Manhã de excepção

Hoje a Foz permitiu furar as ondas, sentir o mar a roçagar as costas, dar umas braçadas sem cuidados de maior, ir e voltar várias vezes, tirar a fotografia de grupo, falar disto e daquilo, resolver todos os problemas excepto aqueles que não têm qualquer solução. Convém ter sempre presente que só há dois tipos de problemas: aqueles que o tempo resolve e os outros que nem o tempo consegue resolver.

Aproveitamento máximo. Nunca se sabe o dia de amanhã ...

E a água nem estava (muito) fria!

sábado, 12 de julho de 2025

Livros (lidos ou em vias disso)

"(...) Em setembro, como era moda médica nesse tempo, o doutor Bravo da Mata declarou a minha absoluta necessidade de ser operado às amígdalas. Vários dos meus amigos tinham voltado do hospital, meses antes, e, apontando para o fundo da garganta, diziam: << Não estás a ver nada porque me tiraram as amigas. >> Sobre a dificuldade do processo não se abriam, mas estava mais ou menos determinado que acabaríamos todos com estes orgãos extraídos preventivamente. Modas não se discutem e lá acabei, tal como muitos outros, totalmente separado da minha família, pela primeira vez na vida, durante uma semana. 

Na entrada do hospital, fui entregue aos cuidados de uma freira sem idade que me levou para uma enfermaria conventual, com diversas camas. Outros rapazes dormitavam nelas. Entre eles, numa alegria breve, avistei o Ica, um dos gémeos que moravam perto.

<< Vens tirar as amigas, também? >>

<< Não, parti um braço em três sítios >>, respondeu-me, tristemente.

A queda da bicicleta sobre um terreno rochoso tinha provocado a necessidade de intervenção cirúrgica. Estava pálido, dentro do pijama de riscas do hospital. Acenou-me, uma vez mais, com a mão em bom estado, e mergulhou nos lençóis antes que a freira se chateasse. Eu ainda não o sabia, mas estas vigilantes de hábito impunham, naquele lugar escuro, de janelas altas, o silêncio a todas as crianças. Ajudava a curar, diziam elas. Mesmo às crianças, habituadas ao riso.

A que me acompanhava disse-me que me despisse completamente, deixando-me apenas uma pequena toalha para tapar a tímida genitália. Demorou a voltar com um pijama e, eu, nu e sozinho, senti ainda mais a falta de casa. (...)"

A selva dentro de casa
Possidónio Cachapa
D. Quixote (2024)

sexta-feira, 11 de julho de 2025

quarta-feira, 9 de julho de 2025

Tubarão

"Cada vez que fala verdade, cai-lhe um braço ..." Ainda tem os dois.

- Foi colocada a bandeira vermelha porque foi avistado um tubarão.

Ninguém acreditou. Está sempre no gozo e foge das conversas sérias como "o gato das brasas".

A maré estava a encher e, quando se deu o banho, havia algumas correntes "contraditórias". Nada que fugisse ao normal da Foz. Sentados na conversa, não demos conta da saída de toda a gente da água, incluindo os surfistas. 

Estava na hora do regresso e só nessa altura foi apercebida a mudança de cor das bandeiras. 

- Os agueiros aumentaram e os banheiros querem estar sossegados ..., comentou a má língua, sempre viperina.

No caminho, a estória do tubarão que, vinda de quem vinha, não trazia qualquer hipótese de credibilidade. "Cesteiro que faz um cesto, faz um cento!" 

Afinal era verdade! Tão injustos que nós somos ... O tubarão passou ao largo e a Capitania, zelosa, ordenou a saída de toda a gente da água, para que ele pudesse nadar sem obstáculos. "Não vá o diabo tecê-las ..."

Já tudo voltou à normalidade e amanhã, se o tempo deixar, voltaremos ao banho da manhã, tão frio que há-de fazer bem a qualquer coisa. O tubarão rumou para outras paragens e não regressará, acreditemos.

segunda-feira, 7 de julho de 2025

Gostos não se discutem

Como facilmente percebe quem por aqui vai espreitando, sou um eclético ouvidor de música, sem quaisquer receios de manifestar preferências, mesmo que estas não sejam consensuais ou estejam na berra.

Ouço música de Cabo Verde há muitos anos! Como parece cada vez mais normal, a gaveta foi resgatar memórias antigas quando ouviu notícias sobre as comemorações dos 50 anos da independência daquela antiga colónia portuguesa.

Há mais ou menos sessenta anos convivi, durante alguns meses, com dois cabo-verdianos, um deles com idade para ser meu pai - cerca de 40 anos -, o outro um pouco mais velho do que eu: cantei-lhe os parabéns, com a voz bem desafinada, no dia em que fez 18 anos.

Ainda não se falava de Cesária Évora ou Tito Paris, muito menos de Tété Alhinho ou Sara Tavares. Adelino, o mais velho, e Cula, o jovem, ensinaram-me as diferenças entre a morna e a coladera e abriram-me a boca de espanto nas muitas vezes em que os ouvi tocar e cantar. Tocavam cavaquinho e daqueles dedos negros saíam ritmos frenéticos ou dolências mimosas, desconhecidos para mim e que me habituei a ouvir, calado e deliciado. O Cula fazia percussão com qualquer coisa, da caixa de sapatos ao tampo da mesa, do colchão ao prato da sopa virado ao contrário. 

Regressaram à sua terra e nunca mais deles ouvi falar ou tive qualquer notícia. Talvez já não pertençam ao mundo dos vivos. Vieram-me à memória e devo-lhes o ter aprendido a gostar da belíssima música cabo-verdiana, que continuo a ouvir regular e regaladamente.

sábado, 5 de julho de 2025

Bom e expressivo

A roda dentada do tempo não avaria, nunca! E prossegue, inexorável, o seu afã de fazer crescer cada um, a velocidades bem diferentes aos olhos de cada qual.

O meu neto GRANDE faz hoje 19 anos, tantos quantos o avô tinha há 54, quando a tal roda quase lhe parecia que não andava e o tempo teimava em se deslocar a velocidade de caracol. Afinal, a rodinha revelou-se, aplicou-se, esmerou-se, foi trazendo cada dia atrás do outro e cada vez com mais velocidade. Pelo menos, assim parece!

BOM E EXPRESSIVO

Acaba mal o teu verso,
mas fá-lo com um desígnio:
é um mal que não é mal,
é lutar contra o bonito.

Vai-me a essas rimas que
tão bem desfecham e que 
são o pão de ló dos tolos
e torce-lhes o pescoço,

tal como o outro pedia
se fizesse à eloquência,
e se houver vossa excelência
que grite: - Não é poesia!,

diz-lhe que não, que não é,
que é topada, lixa três,
serração, vidro moído,
papel que se rasga ou pe-

dra que rola na pedra ...
Mas também da rima <<em cheio>>
poderás tirar partido,
que a regra é não haver regra,

a não ser a de cada um,
com sua rima, seu ritmo,
não fazer bom e bonito,
mas fazer bom e expressivo ...

Tomai lá do O'Neill!
Alexandre O'Neill
Círculo de Leitores (1986)

quinta-feira, 3 de julho de 2025

Passagem aérea

Quarta passada, semana acabada! E hoje já é quinta, com mais de dois terços do dia cumpridos e a caminho da noite. Adivinha-se meiga, bem diferente do quotidiano oestino.

Talvez justifique uma voltinha pela cidade, sem pressa e utilizando a nova passagem aérea, com elevador e tudo, que poupa uns valentes degraus, bem difíceis, que o antigo "galinheiro" obrigava a subir.

Com o desaparecimento do "lixo" da velha, a Rua 15 de Agosto ficou mais desanuviada, mais bonita e com grande vontade de receber, espera ela, a praça prometida.

Quase me esquecia, mas ainda vai a tempo: se houver passeio, convém levar um casaquinho, não vá o oeste pregar a partida costumeira.

terça-feira, 1 de julho de 2025

Livros (lidos ou em vias disso)

"(...) Agora, incluída no seu projecto, já posso perguntar. Afinal que livro quer o meu pai escrever. Responde que lhe chamou Teoria Geral da Insubmissão. Nada mais, nada menos. E eu a pensar num Lusitânia Revisited, ó mágoa, ó Tejo mudo a correr entre o Algarve e o Minho. Não admira que nunca tivesse chegado ao fim.

O sonho e o destino do país tenham paciência, que o deixem em paz. O meu pai considera a insubmissão o único sentido da História, o único sentido da vida.

Excepto quando me exige obediência. Discorda quase sempre das minhas escolhas. Irrita-se. Desorienta-me. Escolho não discutir, não suporto as suas iras.

Começa a traçar o plano de escrita, não tarda a dispersar-se. Divaga.

Então vai ser assim, tu sacas do tablet, eu digo umas larachas, acrescentamos claras em castelo, umas pedrinhas de sal, uma calamidade, um susto, umas palavras-formigas, umas frases-cigarras, pimenta na língua bárbara, murros nas trombas do poder. Achas que chega? Talvez encontres mais ingredientes no tablet, livros instantâneos, como os pudins. No meu tempo só havia uma ardósia e giz, tudo cinzento, mais tarde umas folhas pautadas e uma caneta de tinta permanente. Quando me puseram uma máquina de escrever na secretária nunca mais quis outra vida. Verdade que o teclado HCESAR não ajudava. Ainda se fosse o AZERT, o internacional. Mas não, o Saladas queria a pátria espremida em teclas orgulhosamente sós. Através do teclado, dois destinos divergentes, a repartição e a poesia. Via-os inimigos, mas só porque era míope, ingénuo e acagaçado. Afinal, quando bati com a porta da repartição, a miragem ficou lá dentro, encerrada no teclado. Orgulhosamente europeu dessa vez, pelo menos já era AZERT. Tomaste nota? (...)" 

Corpo Vegetal
Julieta Monginho
Porto Editora (2024)

segunda-feira, 30 de junho de 2025

Calorzinho

A necessidade de resolver um problema "habitacional" obrigou a uma deslocação à Serra d'El Rei. Como ainda era cedo, foram desprezados os acessos modernos da A8 e do IP 6 e utilizada a velhinha e bem conhecida EN 114 - muitos quilómetros foram feitos por ela na década de 80 do século passado.

Tratado o assunto, uma vez que, "quem bem o sabe, depressa o reza", "já agora", um saltinho ao Baleal, para ver se o tempo está igual ao da Foz ...

Tal e qual ou sem tirar nem pôr. Nevoeiro denso, frio, vento e o mar, ausente. Ala, que se faz tarde!

Circundada a rotunda, percorridas umas centenas de metros e, de novo, Ferrel, agora uma vila desenvolvida e bem tratada, muito diferente da que existia aquando da luta contra a central nuclear. O sol brilha e o calor aperta.

Isto está tudo mudado!

sábado, 28 de junho de 2025

Palavras bonitas

S. Martinho de Anta, 28 de Junho de 1986

REBATE

Tantas palavras que conheço agora
E malbarato
No papel,
Aqui onde só duas aprendi
Com eterno sentido:
Pai e Mãe!
Mas ninguém
Fica fiel à infância.
Crescemos
E perdemos
A inocência
E a sua mágica
Sabedoria.
Adulto que porfia
Nestas solfas de letras alinhadas
E paralelas,
Chego a ter pejo de as escrever.
Que podem dizer elas
Que valha a pena ler?

Diário XIV
Miguel Torga
Coimbra

sexta-feira, 27 de junho de 2025

Liberdade

O cartoon de António e a crónica de Miguel Sousa Tavares justificam, como sempre, o valor dispendido na compra da edição semanal do Expresso.

Na sua crónica, após referenciar a frase já aqui reproduzida, Miguel Sousa Tavares escreve:

"(...) Esta frase ficará para a história, lembrem-se dela por muitos anos, pois ela resume na perfeição o papel de cãozinho do dono que tem sido o de Mark Rutte, o infeliz secretário-geral da NATO. O neerlandês não é, por si mesmo, membro da NATO, mas apenas o coordenador de vontades e construtor de consensos entre os 32 membros da organização. Porém, desde o primeiro dia, e certamente também temente pelo futuro do seu cargo, ele fala como se mandasse em todos e a todos pudesse impor livremente a vontade do dono, o seu tão admirado Donald J. Trump - esse tão confiável Presidente americano, que poucas horas antes da cimeira de quarta-feira voltou a pôr em causa o cumprimento do artigo 5º do Tratado do Atlântico Norte, o próprio fundamento da NATO: um por todos, todos por um. Já sabíamos que Rutte é um serventuário de Trump, ainda mais que o seu antecessor, Stoltenberg. Mas escrevê-lo assim, com estes requintes de subserviência e dando já por decidido o que só no dia seguinte se iria discutir, é suficiente para concluir que o homem não está à altura do cargo. Se houvesse alguma réstia de dignidade e orgulho próprio entre os dirigentes ocidentais de hoje, o ponto nº. 1 da ordem de trabalhos da Cimeira da NATO em Haia teria sido a destituição do seu secretário-geral. (...)"

A crónica acaba assim: "Nunca tantos viveram, indefesos e ignorantes, tamanha hipocrisia".

quarta-feira, 25 de junho de 2025

Cretinos

Aquele figurante que foi Primeiro-Ministro dos Países Baixos e, nessa qualidade, disse que os portugueses só sabiam gastar o dinheiro da UE em p...s e vinho verde, é agora o fantoche que manda na Nato.

Talvez por estar actualizado e viciado nas mensagens rápidas e concisas, resolveu mandar uma ao (seu) Presidente da melena. Ainda bem que não releu o texto e lhe saiu uma pérola que, sem qualquer dúvida, vai merecer o Nobel da parvoíce, da sabugice e da cretinice.

"Parabéns e obrigado pela tua ação decisiva no Irão, que foi verdadeiramente extraordinária, e algo que mais ninguém se atreveu a fazer. Isso torna-nos a todos mais seguros. Estás a viajar para mais um grande sucesso em Haia esta noite. Não foi fácil, mas temo-los todos comprometidos com os 5%!. A Europa vai pagar à GRANDE, como devia, e será uma vitória tua. Donald, tu conduziste-nos a um momento mesmo mesmo importante para a América e para a Europa, e o mundo. Alcançaste algo que NENHUM presidente americano em décadas conseguiu."

Não se conhece a resposta de Donald Trump a Mark Rutte mas, a avaliar pela amostra, as conversas de quem manda no mundo estão, cada vez mais, a descer de nível e a subir de interesse!

terça-feira, 24 de junho de 2025

Tão longe ...

Em menos de trinta dias, a contar de hoje, irão decorrer os aniversários de três dos quatro "rapagões" que nasceram "ontem", com grande alegria dos pais e um orgulho enorme dos avós.

Hoje é a vez do Duarte, terceiro na cronologia, que completa uns maravilhosos treze aninhos. Está longe, com três horas a mais, que obrigam a que a alvorada seja muito cedo e o serão curtinho, quando se tenta comparar com os horários de cá.

Tem mundo, conhece gente de todo o lado, de todas as cores e todos os hábitos. Enriquece todos os dias, o que nunca irá esquecer e lhe irá servir para a vida.

Parabéns, meu DUDU querido. Daqui a dois dias vou dar-te um abraço igual ao último, dado na despedida de Baku. Sem chuva nos olhos, espero.

segunda-feira, 23 de junho de 2025

Teatro ... da vida

Ver e ouvir a declamação deste lindo poema de Ruy Belo, integrado num grande espectáculo de teatro musicado, com encenação de Ricardo Pais e o título de Talvez ... Monsanto, foi um privilégio ao mesmo tempo arrepiante, comovente, excepcional, lindo.

Tudo brilhante! Dos actores aos músicos, da poesia à encenação, dos adufes ao contrabaixo, das vozes às interpretações, com um destaque especial para Luísa Cruz.

QUERO SÓ ISSO NEM ISSO QUERO

Quero uma mesa e pão sobre essa mesa
na toalha de linho nódoas de vinho
quero só isso nem isso quero

Quero a casa de terra à minha volta
cães altos na noite a minha mãe mais nova
quero só isso nem isso quero

Quero a casa do forno onde eu me escondia dos relâmpagos
e trovões quando um ferro no cesto garantia uma feliz cria à galinha chocadeira
quero só isso nem isso quero

Quero de novo fundir ao lume os soldados de chumbo que no natal me punham no sapatinho
e tirar chouriço e toucinho do guarda-comidas
quero só isso nem isso quero

Quero fazer pequeninos adobes e construir casas pelo quintal
ver chegar o verão e comermos todos lá fora na varanda de tijolo
quero só isso nem isso quero

Quero uma aldeia umas pedras um rio
umas quantas mulheres de joelhos brancos esfregando a roupa nas pedras
quero só isso nem isso quero

Quero escrever fatais cartas de amor à rapariga dos meus oito anos
rasgar essas cartas deixá-las pra sempre dentro do tronco oco da oliveira
quero só isso nem isso quero

Quero umas cabras um pastor rico um pastor pobre
o leite quente na teta o cabrito morto soprado e esfolado
quero só isso nem isso quero

Quero a courela as perdizes no ovo a baba do cuco
laranjas de orvalho no ano novo colhidas na árvore
quero só isso nem isso quero

Quero dois montes e um paul de malmequeres a cheia na primavera
a asma o ruído dos ralos as pernas sombrias das raparigas
quero só isso nem isso quero

Quero que voltem os que morreram os que emigraram
matar com eles o bicho com aguardente pela manhã antes da pega
quero só isso nem isso quero

Quero ver ao vento o véu das noivas apanhar os confeitos nos casamentos
saber pelos papéis dos registos o tempo da prenhez palavra misteriosa
quero só isso nem isso quero

Quero um pátio meu e da sombra e galinhas pedreses e árvores
uma mina de avencas uma horta uma sebe de cana umas casas caídas
quero só isso nem isso quero

Quero ajudar na rega do fim de tarde calcar os buracos das toupeiras
e dirigir com o sacho a água morna nos pés até aos regos do feijão
quero só isso nem isso quero

Quero em dezembro o varejo final da azeitona o búzio a tocar
a azeitona a cair dos ramos nos panos de serapilheira
quero só isso nem isso quero

Quero o meu pai de chapéu de chuva aberto nos dias de sol
o meu pai de manhãzinha a lavar-se e a explicar-nos latim e história
quero só isso nem isso quero

Quero nu em pelota entre todos tomar os banhos no marachão
os ninhos dos pássaros as andorinhas de asas escuras no céu azul
quero só isso nem isso quero

Quero o pátio da escola a roda das raparigas a cantar à volta do plátano
o primeiro sonho de amor as primeiras palavras gaguejadas trocadas com uma rapariga
quero só isso nem isso quero

Quero as feridas nos pés para poder sair à rua descalço
o pão com conduto entre os meninos pobres no recreio
quero só isso nem isso quero

Quero ir ao vale barco a malaquejo à marmeleira
roubar melões jogar ao murro ver nas festas o fogo preso
quero só isso nem isso quero

Que quero tanto que quero um mundo ou nem tanto só agora reparo
quero morder para sempre a almofada quente e densa da terra
quero só isso nem isso quero

Todos os poemas
Ruy Belo
Assírio & Alvim (2000)

domingo, 22 de junho de 2025

Guerra

Ainda não era suficiente e havia (há) muito material para esgotar. Um regresso aos Açores para ver a paisagem e dar de beber a quem tem sede, em terra ou no ar.

Mais uns bombardeamentos, para que todos se (re)coloquem no carril do comboio comandado pelo homem da melena amarelada e segura pela boa laca, talvez de fabrico chinês, com tarifas.

Onde e quando irá acabar?  

domingo, 15 de junho de 2025

Livros (lidos ou em vias disso)

"(...) Quando me mudei para Higienópolis, minha mãe me deu dois presentes: um enorme vaso de murano e uma coleção de pratos Vista Alegre. Disse que seria impossível pertencer àquela nova realidade sem esses objetos.

Fui trocar o vaso, e descobri que com o mesmo valor eu poderia adquirir na loja uns vinte itens desnecessários para minha casa. Minha mãe me disse que ter vinte objetos meio baratos era coisa de pobre. Rico tinha uma coisa única e cara. Mas o que eu faria com um imenso vaso de murano? Minha mãe quis saber então o que eu faria com vinte coisas das quais não precisava. Argumentei que eu também não precisava de um vaso de murano. Ela então respondeu: <<Você que pensa que não precisa, isso vai mudar.>>

Ao me visitar em Higienópolis, minha mãe reparou que eu ainda estava do lado mais barato do bairro. O legal era depois da avenida Angélica, e não antes dela. Argumentei que para quem vinha do outro lado da Angélica eu morava exatamente depois da Angélica.

Estava perto do Natal e resolvi dar um almoço em casa. Exibi minha coleção de pratos Vista Alegre e uma amiga, com um casaco imenso, levantou da mesa para cumprimentar um casal e lançou um dos pratos para longe, quebrando-o ao meio. Comecei a chorar e a rir, <<eu choro à toa, não liguem!>>. A amiga me abraçou <<é só um prato>>.

Não era o prato. Eu estava chorando porque quando vem a pontada intensa de amor pela minha mãe, o raio do amor absoluto e infinito, a descarga elétrica do amor mais intenso, eu choro. O prato quebrado me lembrou de como eu amava a minha mãe e minha vida seria insuportável quando ela morresse. Como eu veria para sempre aqueles pratos em minha casa, depois que ela morresse (...)"

Tati Bernardi
A boba da corte
Tinta da China (MMXXV) 

sábado, 14 de junho de 2025

Percepções

Por muito que se tente assobiar para o lado, sentir o vento norte a refrescar o corpo que se deslocou à praia, pela manhã, em busca do sossego contido no marulhar das ondas; ir lendo algumas páginas do livro actual, adivinhar o que é o almoço, estender o olhar em busca da Berlenga enevoada, as notícias surgem sempre em primeiro plano e sem compreensão possível, para quem não é dotado da capacidade explicativa de tanta gente que vai debitando razões que a razão desconhece.

Está (re)aberto mais um conflito, com Israel a dizer que vai destruir a capacidade nuclear do Irão e este a invocar Deus para o ajudar a eliminar do mapa os israelitas, num jogo de mísseis e drones sem contemplações nem olhos.

Parece ser lá longe, mas a distância é pouco mais que um tirinho, quando uma parte de nós está lá, a fazer fronteira com um dos beligerantes.

Vai passar ... Quando e como?

quinta-feira, 12 de junho de 2025

Zé Povinho

Passam hoje 150 anos da primeira "notícia" que o Zé Povinho, nascido das mãos de Raphael Bordalo Pinheiro, produziu e publicou. Seguiram-se muitas outras, sempre em cima da actualidade e bem mordazes.

Se ainda por cá andasse, o "Zé" teria muito papagaio com que se entreter diariamente.

quarta-feira, 11 de junho de 2025

A Barraca

Não tenho pena de Maria do Céu Guerra, porque ela é uma guerreira e lutará, como sempre fez, contra os energúmenos que querem o regresso a um passado reles e de má memória.

A minha solidariedade com os actores d'A Barraca pouco vale, mas eu quero continuar a ir lá ver teatro de qualidade indiscutível e, sobretudo, com a liberdade criativa que é apanágio daquela casa há meio século.

terça-feira, 10 de junho de 2025

10 de Junho

Ao ouvir, hoje, o resumo dos discursos de Lídia Jorge e Marcelo Rebelo de Sousa, no âmbito das comemorações do 10 de Junho, lembrei-me de um estudo que a minha filha me ofereceu e sobre o qual falei aqui, já lá vão uns anitos.

O estudo indica que, como qualquer português, tenho raízes que vão da Ásia, passam pela África, viajam pela Europa e "aterram" aqui, neste "jardim à beira-mar plantado". 

Se, ao invés de nos preocuparmos com as origens, a cor, a religião de cada um dos que por cá habitamos, muitos em condições miseráveis e vergonhosas, procurássemos colaborar na integração de todos, sem preconceitos, ódios, invejas e aproveitamentos vis, talvez conseguíssemos um Portugal maior e mais feliz.

"Ou fazendo que, mais que a de Medusa,
 A vista vossa tema o monte Atlante,
Ou rompendo nos campos de Ampelusa
Os muros de Marrocos e Trudante.
A minha já estimada e leda Musa
Fico que em todo o mundo de vós cante,
De sorte que Alexandro em vós se veja,
Sem à dita de Aquiles ter inveja."

Os Lusíadas
Canto X (final)
Luís de Camões

segunda-feira, 9 de junho de 2025

Liga das Nações

Mais um dia grande para o futebol nacional, com a selecção principal a conquistar a Liga das Nações pela segunda vez, contra as perspectivas desenhadas pela crítica sabedora. E foi muito bonito de ver a capacidade de Nuno Mendes, numa equipa que procurou sempre, com "ganas", vencer "nuestros hermanos".

domingo, 8 de junho de 2025

Tempo ... de praia

(Re)começaram as conversas da praia, acompanhadas pela nortada "fozeira", acentuando as dificuldades de audição que vão aumentando à medida que o tempo percorre o caminho inexorável ... para o aparelhinho do Goucha.

A água, ao contrário do que acontecia há uns anos, está muito fria, o sol anda fraquinho, a camisola aconchega o tronco dos conversadores  presentes e não parece nada incomodada com isso. O banho fica para a próxima.

Ainda é cedo, que diabo. Nem sequer há banheiro ... Calma, que vai ser bom ... verão.

- E o vento, ai, o vento está bem pior que o ano passado.

Falou-se da inteligência artificial, da falta de sentido crítico, das eleições, dos apertões de Marcelo, de abortos e desmanchos, do que era e do que é, do que lá vai e do que estará para chegar, deste e daquele, disto e daquilo. Tudo tratado e nada resolvido, como sempre.

- Começou a chegar a "fauna" da tarde. Está na hora de a "Cacilda" ir tratar do almoço. Até amanhã ... se o tempo quiser!

sábado, 7 de junho de 2025

Palavras bonitas

No desvario
Do sonho me socorro
E nele percorro
O denso frio
Da distância,
Os delirantes lugares da demência,
A delicada fragância,
A seda e o brocado
Desenhando o fulgor e a fluorescência
Do teu corpo semeado
De azul e maresia ...
Meu castelo de vento,
Meu portento, Meu mar sulcado
E para sempre arado
De louca fantasia! ...

Pequena elegia em busca de Moad
Lino Sebastião
cordel d' prata (2025)

sexta-feira, 6 de junho de 2025

Paz e lirismo

E se, de repente, começasse a surgir alguma coisa com nexo daquela cabecinha amarelada que comanda os destinos americanos, gritaríamos todos:

- Milagre!

Desenganem-se. Não vai acontecer, por muito desejável que seja e muitas rezas ocorram. Continuaremos a ouvir muitas "bacoradas" e um sem número de alarvidades que trazem à memória a frase do antigo seleccionador nacional de futebol Luiz Filipe Scolari:

- E o burro, sou eu?

A guerra, que tinha o destino traçado, terminaria mal ele sentasse os glúteos no sofá da Sala Oval e nunca teria começado se ele se tivesse mantido como chefe da nação naquele acto eleitoral tão festejado no Capitólio, afinal continua, agravada, e sem fim à vista. A faixa de Gaza está quase em condições de serem iniciadas as obras do resort de luxo, faltando apenas acabar com os palestinianos.

Entretanto, o cavalheiro holandês que apelidou os portugueses de gastadores e boémios, pede encarecidamente que todos os países aumentem a sua contribuição para a NATO e, ao que tudo indica, o nosso já está a escarafunchar no mealheiro para lhe fazer a vontade.

Como toda a gente sabe e a história confirma, a solução é aumentar o esforço militar e deixar que essa coisa da paz se mantenha como uma miragem dos líricos.

segunda-feira, 2 de junho de 2025

Livros (lidos ou em vias disso)

Biblioteca acima das possibilidades de leitura

Uma biblioteca cheia de livros que não foram lidos - sabendo que muitos deles nunca o serão - é uma biblioteca enorme, porque contém em si a semente da possibilidade. É imensa porque inclui desejo. Quem a criou tinha um desejo acima das suas possibilidades, e isso define o leitor: a sua ambição. Nunca concretizaremos plenamente os nossos desejos, mas o tamanho da biblioteca pode evidenciar o tamanho da ambição e, por reflexo, o tamanho do leitor. Um leitor tímido terá um ou dois livros por ler, um leitor ambicioso terá logicamente mais. Em japonês, existe uma palavra para a pilha de livros por ler: tsundoku.

Seria expectável que um grande leitor fosse aquele com menos livros por ler na sua biblioteca, pois leu muitíssimo, mas não é isso que acontece: o melhor leitor tem sempre cada vez mais livros por ler. Quanto mais lê, mais essa lista aumenta.

Children's afternoon at Wargemont, 1884 - PIERRE AUGUSTE RENOIR
O vício dos livros II
Afonso Cruz
Companhia das Letras (2025)

domingo, 1 de junho de 2025

Livros (lidos ou em vias disso)

"(...) Por norma, a leitura não tem uma gratificação imediata e contraria as nossas características gregárias, isolando-nos dos outros e do mundo, impondo algum silêncio, exigindo atenção, concentração e, como se tal não bastasse, obriga ao esforço da descodificação. Ao contrário de outras formas de arte, como a música, a pintura ou o cinema, a leitura não se oferece directamente à sensorialidade - exige um processo cognitivo, converter letras em cenários mentais, converter letras em vozes, rostos, emoções e paisagens. Ler dá trabalho. Essa exigência torna a leitura uma arte activa, mais próxima da tradução do que da fruição imediata, e, talvez por isso, quando funciona, seja tão poderosa: porque é o leitor quem completa a obra. A leitura é uma arte de co-autoria.

Sendo difícil ultrapassar os primeiros obstáculos que a própria leitura impõe aos seus possíveis futuros amantes, as medidas para aumentar o número de leitores têm resultados tíbios. Repare-se que esse número deveria ter aumentado estrondosamente com a diminuição da iliteracia, mas tal não se verificou. Nunca houve um entusiasmo esfuziante com a leitura; pelo contrário, sempre foi um fenómeno sóbrio, que vai tendo mais leitores, é certo, mas de forma lenta, ou muito lenta. De todos os que foram alfabetizados, poucos se tornaram leitores assíduos. (...)"

O vício dos livros II
Afonso Cruz  
Companhia das Letras (2025)

quinta-feira, 29 de maio de 2025

Prova real

Estava um calor "de ananases", talvez parecido com o que se sentiu, e ainda se sente, no dia de hoje. Sem nuvens no céu nem a nortada oestina tão familiar, pareceria que se estava em pleno Alentejo. Havia necessidade de uma deslocação à outra quinta, para resolver um qualquer problema cuja origem já não recordo. Devia ser importante. O patrão, habitualmente, decidia sem se deslocar lá.

O exame de condução tinha sido realizado com êxito e o documento, em cartolina avermelhada, havia chegado poucos dias antes. A notícia tinha sido transmitida, com ênfase, a quem de direito. A receptividade foi a habitual: sem comentários.

- Hoje levas tu o carro.

Já tinha pegado no Peugeot 504 algumas vezes, mas apenas para pequenas arrumações, na garagem ou na procura da sombra, com a conivência do motorista da casa. Isso ele não sabia e não era eu que lhe iria dizer. Ainda se zangava e alterava a decisão que havia tomado. "Patrão manda, marinheiro faz ... "

É fácil de entender que os nervos eram muitos e imenso o medo de falhar. O Peugeot era, na época, uma "bomba" topo de gama, privilégio de quem tinha grandes posses. Espaçoso, de um verde claro discreto, estofos muito macios, em pele, espaço para copo e garrafa no meio, rádio e leitor de cassetes "cartucho". Até chauffage tinha ...

O patrão instalou-se no lugar do pendura, escolheu a música, clássica, como sempre, e a viagem iniciou-se rumo ao Negrelho. Vidros todos abertos, para que o ar circulasse e diminuísse um pouco o desconforto causado pela tal temperatura nada habitual na região.

O braço esquerdo apoiou-se na janela, deixando que os dedos dessa mão apoiassem o volante. O trabalho era todo executado pela mão direita, que guiava e engrenava as cinco mudanças, dando aquele ar importante de quem sabe bem o que faz e não está nada constrangido.

O trânsito era residual e a viagem correu bem, com o "motorista" a sentir-se "inchado" com o desempenho.

- Não estás mal! Mas olha que o braço é para o volante, não para a janela.

terça-feira, 27 de maio de 2025

Palavras

Finalmente, a senhora que manda na União Europeia acordou da letargia e disse qualquer coisita sobre a catástrofe humanitária que o Bibi israelita está a levar a cabo.

Não foi muito assertiva nem teve a violência verbal que se justificava perante tamanha crueldade que o homem (?) tem promovido mas, valha-nos isso, falou. 

sexta-feira, 23 de maio de 2025

Livros (lidos ou em vias disso)

"(...)

Mãos estranhas enterraram no dia seguinte o corpo mirrado do pobre aventureiro na terra estrangeira onde devia pagar o preço das suas aventuras.

E como sem mensalidades o Colégio de Santo António não ensinava nada a ninguém, passados meses, o pequeno Sérgio foi despachado em terceira para Penedono.

O Gaudêncio velho, então, teve pena dele e pô-lo a guardar ovelhas no Farrobo.

Pastor, que foi por onde o Senhor Ventura começou."

O Senhor Ventura
Miguel Torga
Gráfica de Coimbra

segunda-feira, 19 de maio de 2025

Sufrágio

Cada eleitor teve direito a manifestar a sua escolha e fê-lo sem pressões, no recato da urna, com sigilo garantido sobre o sítio onde decidiu marcar a sua cruz.

No final da votação, logo a seguir às 19 horas, os membros das mesas contaram os votos, elaboraram a acta e fizeram chegar os resultados ao patamar superior. A freguesia juntou os votos, a autarquia coligiu a soma concelhia, o distrito somou tudo, dividiu pelo método de Hondt e apurou os deputados eleitos. Todos cumpriram com afã as tarefas que lhes estavam confiadas e o país soube dos resultados finais ainda antes de o dia terminar.

Os resultados não se saboreiam nem se digerem: aceitam-se enquanto as regras forem claras, iguais para todos e não haja suspeitas de fraude ou de "chapeladas", como nos tempos "da outra senhora".

Custa a perceber? Custa, mas a cada um só cabe uma cruz ...

sábado, 17 de maio de 2025

Dia de reflexão

Reflectindo, como sempre, ainda que a decisão esteja tomada há muito e o tipo do espelho que me saúda todas as manhãs tenha confirmado a minha escolha como correcta.

De acordo com as opiniões expressas pelos grandes "sabões" analistas, faço parte do grupo que vota nos antigos, mantendo a escolha e não sendo influenciado pelas "modernices", "preces" ou "refluxos". As sondagens dão como adquirido o resultado final, baseadas nas largas consultas levadas a cabo, nenhuma das quais, em 50 anos de eleições, me contemplou. Tal como no totoloto, nunca fui bafejado pela sorte ... Paciência!

No final do dia de amanhã, depois de cumprido esse dever cívico fundamental e de cuja ausência cada vez menos se lembram, veremos se as previsões eram de base científica ou apenas palpites para "encher chouriços". 

terça-feira, 13 de maio de 2025

Tempo

Em todo o lado, em quaisquer situações, com mais ou menos pressa, com muita ou pouca gente, o tempo é determinante e mandante, mesmo quando a tarefa encomendada é passear e usufruir sem pestanejar.

Por vezes custa. As pernas refilam, os ombros doem, os joelhos queixam-se, a coluna lamenta-se, o corpo pede regresso ao hotel e repouso bem esticado. Mas ... a teimosia é, quase sempre, uma excelente qualidade.

Perante tanta coisa maravilhosa, o corpo acomoda-se e deixa a vista extasiar-se. Antiga na história, complexa e cheia de sobressaltos, Praga é, sem qualquer dúvida, uma cidade muito, mas mesmo muito bonita!

quinta-feira, 8 de maio de 2025

Mãe

Hoje era dia de cantar os parabéns, se ...

Seriam cento e duas velas, poucas para equivalerem a tua iluminação!

terça-feira, 6 de maio de 2025

Pausa

Uma paragem para retemperar energias que esta coisa de (não) trabalhar também cansa. 

Apanhar aviões, levantar cedo, andar a pé, escolher ementas, ver museus, olhar paisagens, espreitar pessoas, adivinhar diferenças e comportamentos, ser "cusco", dá trabalho ... mas vale a pena!

Se tiver tempo livre, vou meditar sobre a forma como a campanha eleitoral estará a decorrer. 

Naturalmente que levo dois livrinhos para os aviões e tempos livres.

domingo, 4 de maio de 2025

Palestina

A tragédia continua e parece já instalada na normalidade dos que, longe, olham para as imagens das televisões, devidamente alertados de que elas "poderão afectar as pessoas mais sensíveis".

Custa a entender ou, melhor, é impossível compreender que, descendentes de um povo martirizado e quase levado ao desaparecimento pela selvajaria hitleriana, colaborarem ou permitam que alguns, déspotas, levem a cabo o morticínio, a tiro e à fome, de todo o povo palestino.

... E a caravana europeia passa pelos intervalos da chuva!

terça-feira, 29 de abril de 2025

Apagão

Ontem voltámos ao antigamente! 

Apenas na falta da electricidade, esclareça-se de imediato, para não haver confusões. Uma avaria, ao que parece em Espanha, "deitou tudo abaixo" e os interruptores e afins deixaram de funcionar.

Não houve televisão, nem Facebook, nem Instagram, nem Tik-Tok, nem Twiter, nem chamadas telefónicas em condições. Procuraram-se as lanternas e os rádios de pilhas, as velas de cera e os fósforos, estes desaparecidos algures para o fundo de uma gaveta que não se sabe qual nem se vislumbra onde. Valeu o isqueiro a gás ...

Candeeiros a petróleo quase de certeza que ninguém acendeu. Mesmo que existisse lá em casa um belo exemplar adquirido numa qualquer feira de velharias, dificilmente teria pavio e muito menos o petróleo imprescindível. Já nem mercearias há, quanto mais as bombas manuais que debitavam para a garrafa um litrinho desse líquido precioso que tanto dava à luz como acendia as brasas.

Sempre muito preocupado consigo, o "povo" pegou nas notinhas do mealheiro e foi a correr ao supermercado encher o carrinho com tudo, da água ao papel higiénico, das conservas às cervejolas, e, já agora, duas ou três garrafitas de tintol, mais uns pacotes de açúcar, de arroz, feijão frade e grão de bico, tudo o que lhe pareceu necessário para encher a despensa ... não vá o diabo tecê-las!

Quem se atrasou ... temos pena! Fossem mais espertos ou tivessem mais "carcanhol" em casa.

Houve lágrimas por não ser possível carregar o aparelho que, para além de todas as coisas bem mais importantes, também serve para fazer chamadas telefónicas.

- Isto nunca aconteceu! Não é possível viver assim!

Pois! Mas aconteceu e não foi há 100 anos!

Aguardemos, sem pressa, a explicação que uma qualquer comissão de peritos entretanto nomeada, há-de proporcionar-nos uma visão clara sobre o acontecido. E dirão os mais cépticos: de Espanha, nem bom vento nem bom casamento. 

sábado, 26 de abril de 2025

Impulsos

Estive quase, quase a "roubar", uma vez mais, o cartoon que António publica no Expresso desta semana. A qualidade do desenho é a do costume, óptima; o tema, actual e acutilante, mas ...

Disse cá para comigo: até tu queres dar visibilidade ao "espertalhão"?

- Nem penses, murmurou a voz interior que me acompanha e vai controlando os impulsos, servindo de moderadora das asneiras que vão surgindo na cabeça, cada vez mais na razão inversa do cabelo, branco, claro.

A solução não é deixá-los a falar sozinhos, ou talvez seja, quem sabe. A casinha, afinal, não tem trinta metros quadrados nem é pouco mais que uma barraca num qualquer Casal Ventoso. No debate, isto foi dito, redito, repisado, mantido, com uma voz colérica e um olhar afirmativo, apelando à injustiça e à comparação com a sua desdita. Coitadinho ...

No dia seguinte, em conversa amena na tarde da TV, a mesma voz, agora com tonalidade angelical, e o olhar, docinho e amável, transmitiam que, afinal, fora apenas um lapso na divulgação da medida, talvez porque a casa nem sequer era dele e sim da sua consorte. Clarinho ... como a água da piscina!

Chega!

"A mentira tem perna curta!"

"Vozes de burro não chegam ao céu!" 

sexta-feira, 25 de abril de 2025

quinta-feira, 24 de abril de 2025

Confusões

O respeito pelo Papa Francisco e pela sua morte merecia que o Governo tivesse um pouco mais de atenção e cuidado, e não confundisse as comemorações do 25 de Abril com o infeliz acontecimento.

Era o mínimo exigível, mas cada vez há mais gente que não se enxerga ...

quarta-feira, 23 de abril de 2025

Dia Mundial do Livro

Assinala-se hoje o Dia Mundial do Livro. Talvez seja apropriado um excerto de um que tem como título LIVRO e que trata um tema muito actual por cá e tão esquecido do que, antanho, se passou com muita gente de cá que abalou para lá, seja isso onde tenha sido.

(...) 

"(1967)

A Adelaide queria tratar de vida.

Acordava com as voltas da Libânia, do outro lado do lençol, a dar papa à menina. A essa hora, o marido da Libânia estava maldisposto, tinha frio nos pés ou insatisfazia-se com miudezas. Seriam umas cinco da madrugada. A Adelaide não precisava de despertador, mas tinha um relógio de pulso, a que dava corda antes de adormecer e que pousava sobre um caixote, à cabeceira do colchão. A Adelaide dizia qualquer palavra sumida antes de tirar o lençol que estava suspenso numa corda, superfície branca de sombras, e que dividia a casa. Às vezes, quando a Libânia lhe pedia, a Adelaide levava a menina à escola maternal antes de ir para casa da patroa.

Seriam umas seis e meia quando abria o portão, a cadela andava solta no jardim e vinha sempre recebê-la, de rabo a abanar. A Adelaide nunca tinha visto uma cadela daquela raça, era uma cadela fina, chamava-se Princesse, mas a Adelaide, baixinho, chamava-lhe Princesa, fazia-lhe festas por detrás das orelhas e dava-lhe a mão a lamber. Em certos dias, ao fim da tarde, a patroa vestia-lhe uma casaca e levava-a a passear. A Adelaide tinha custado a habituar-se a essa moda. A cadela tinha bom pêlo, não precisa de casacas, coitadinha.

Na França, a Adelaide tinha-se admirado com muito. Nunca se esquecia da primeira vez que entrou num supermercado. Imaginou a reacção da velha Lubélia se alguma vez visse um supermercado daqueles. De manhã, à chegada, a Adelaide abria as janelas da cozinha da francesa e começava a preparar o pequeno-almoço, os copinhos de loiça onde enfiava os ovos malcozidos. Quando a francesa e o marido acordavam, quando se sentavam de roupão na mesa posta da sala, um ou outro podiam chamá-la pelo seu nome em francês e pedir-lhe qualquer coisa que faltasse. A Adelaide sabia utilizar a máquina torradeira. (...)"

Livro
José Luís Peixoto
Quetzal (2010)

terça-feira, 22 de abril de 2025

Diálogos

Devemos ser únicos no mundo. Assertivos e concretos, dizemos sempre tudo de forma clara e sem deixar quaisquer dúvidas a quem nos interpela ... A única dificuldade é encontrar alguma coisa que seja, tenha sido ou venha a ser boa ou bonita!

- Então como é que isso vai?

- Vai-se andando, menos mal. Olha, antes assim que pior ...

- Mas tens algum problema?

- Claro que não! É a vida!

- E o tempo, que achas tu desta porcaria? 

- Com esta idade, não me lembro de alguma vez ter visto uma coisa assim ...

Chove muito:

- Maldita chuva que nunca mais passa! Vê se vem o calor que estou farto disto!

Chega o Verão:

 Isto está de ananases. Nem uma brisazinha, ao menos ...

Vem o vento:

- Malvada ventania que nunca mais pára! Nem uma pessoa consegue endireitar-se ...

- E que tal o emprego? É bom? Vai bem?

- Bem, podia ser bem melhor ... mas até nem é muito mau ...

- E o jogo de ontem, viste? E gostaste?

- Não foi mau, ganhámos! Mas podia ter sido muito melhor ... podíamos ter dado seis!

- Mas olha que tivemos sorte. Se aquela bola dos outros tem entrado, não sei o que seria! 

sábado, 19 de abril de 2025

Palavras bonitas

ÂNSIA

Não me deixem tranquilo
não me guardem sossego
eu quero a ânsia da onda
o eterno rebentar da espuma

As horas são-me escassas:
dai-me o tempo
ainda que o não mereça
que eu quero
ter outra vez
idades que nunca tive
para ser sempre
eu e a vida
nesta dança desencontrada
como se de corpos
tivéssemos trocado
para morrer vivendo

Raiz de orvalho e outros poemas
Mia Couto
Caminho (1999)

sexta-feira, 18 de abril de 2025

Lápis

O lápis é a minha ferramenta de escrita preferida. E, apesar disso, nem todos me satisfazem. A lapiseira de 0,5 mm é a que cumpre os objectivos sem rebuço e com a qualidade esperada. O antigo Viarco ou similar tem de ser muito bem afiado, o que se apresenta cada vez mais difícil. As afiadeiras perderam qualidade e os interiores também. Cada vez é mais provável o bico partir-se, obrigando a mais uns centímetros de madeira cortada, sem obter o efeito pretendido: aquele bico bem fininho, que escreve o que se deseja com a elegância pretendida, ainda que o papel escrito marche para o lixo, cumprida que seja a sua função.

Manias, dirão muitos, com toda a razão.

Mesmo assim, continuo a adorar ter à mão o "lápis de pau" da meninice ou a lapiseira "adulta". Com eles dou largas à vontade de escrever ... patetices!

segunda-feira, 14 de abril de 2025

Olhares

A visita havia sido recomendada pelo meu amigo CP, com entusiasmo. E confirmou-se!

Mal se transpõe a porta de entrada, o candeeiro dita, de forma clara, que estamos num sítio onde o bom gosto e a cultura são quem mais ordena.


Adquiridos os ingressos, com o desconto de 50% oferecido aos "jovens", deambula-se por várias salas - não sei dizer quantas - distribuídas por quatro galerias. As duas primeiras estão no rés-do-chão e mostram uma "imensidão" de obras, de inúmeros artistas, de José Malhôa a Paula Rego, passando por Eduardo Viana, José de Guimarães, Júlio Pomar, Rui Chafes, Julião Sarmento, Almada Negreiros, Sarah Afonso, Eduardo Batarda, Carlos Botelho, Mário Botas, Cruzeiro Seixas e tantos, tantos outros.


Nos dois andares seguintes, os espaços são dedicados às exposições temporárias. Agora, estão por lá, na Galeria 3, Antropoceno - em busca de um novo humano?, que se manterá até Setembro, e na Galeria 4, Guerra - Realidade, Mito e Ficção, que permanecerá até Outubro. Bem diferentes das duas primeiras, mas deveras interessantes.


Foram quase três horas - que passaram depressa -, a apreciar a colecção reunida por Armando Martins. Em boa hora, este homem decidiu partilhá-la e colocá-la à disposição de todos os olhos que a queiram admirar.

Um jardim bonito, também com algumas obras e um hotel de 5 estrelas (só mirado por fora) completam o quadro de uma recuperação que, aos olhos de um leigo, está fantástica: MACAMMuseu de Arte Contemporânea Armando Martins, na "velha" Rua da Junqueira, 66, em Lisboa.

sábado, 12 de abril de 2025

Sonhador

Sempre actual!

Que a viagem seja marcada com brevidade e a nave encha, com tarifas nos bilhetes!

sexta-feira, 11 de abril de 2025

Livros (lidos ou em vias disso)

Antes de perceber bem o que estava a acontecer - tudo o que te conto parece avançar aos saltos, eu sei, como uma pantera que desmaia e volta a falar no exato momento em que acorda -, já estava a caminhar pelas ruas estreitas daquele lugar. Os estrangeiros que nos levavam procuravam que caminhássemos o mais rapidamente possível. As ruas eram desenhadas como linhas que separavam os vizinhos uns dos outros. Muito brancas, cobertas de palha, as casas de um lado olhavam para as casas do outro lado. Era muito estranho.

Achei, além disso, as casas muito coladas umas às outras, muito diferentes das da minha aldeia, que tinham espaço entre si. Infelizmente, antes de ter tempo de as poder observar com atenção, já tinham desaparecido.

Não é bem que não tenha tido tempo. Andar com os ferros nos tornozelos custava muito, muito mesmo, e jamais me poderia habituar àquilo. Apenas conseguia dar passinhos miúdos e titubeantes. Mal avançava uma perna, ela era dolorosamente travada pelos grilhões, tinha de fazer avançar a outra, e assim por diante. Em vários momentos pensei que ia cair. É muito difícil aprender a andar presa. Além disso, de pé, os ferros marcavam-me de outra maneira, golpeavam-me os tornozelos mais do que até aí, e ainda não achara forma de suportar aquela dor nova. Retraía a perna cada vez que ela avançava um pouco, pois logo recebia a facada das grilhetas. As minhas pernas eram martelinhos tontos espetados por canivetes.

Com as nossas cabeças amarradas umas às outras por um cabo, obrigavam-nos a andar todos ao mesmo ritmo, o que na prática era impossível. Sentia medo de tropeçar a cada passo, ou que aparecesse uma pedra na qual não tinha reparado, ou um buraco onde poderia cair. Tinha de concentrar-me no chão.

- Concentra-te no chão. Concentra-te no chão. Concentra-te no chão.

O mel sem abelhas
Judite Canha Fernandes
Gradiva (2025)