domingo, 7 de setembro de 2025

Chevrolet

 


A adquirir, para fazer companhia ao "irmão" Matiz, que está a ficar deprimido com a solidão.

sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Expresso

Preparemo-nos, afincadamente, para o curso intensivo de modas e bordados que a China se prepara, com toda a calma e paciência, para ministrar a todo o mundo, sem necessidade de matrícula nem de propinas.

No Expresso desta semana, como sempre, o cartoon de António põe o dedo na ferida ...


Também nesta edição, a habitual crónica de Miguel Sousa Tavares termina com (mais) um exemplo das muitas mentiras que vêm caracterizando os últimos tempos e prometem prosseguir "sem dó nem piedade".

"(...) 3. A deputada do Chega Rita Matias (já habitual nestas coisas) acolheu, divulgou e ampliou um post de um militante do partido que sustentava que, enquanto os imigrantes chegados a Portugal só por esse facto beneficiam logo de apoios do Estado, os bombeiros voluntários combatem os fogos sem nada receber em troca. Ambas as coisas são falsas: os imigrantes não beneficiam de quaisquer apoios por o serem e os bombeiros voluntários, apesar do nome, recebem 75 euros por dia de combate ao fogo (mesmo para "voluntários" é bem pouco, mas há países, porventura mais inteligentes, onde os bombeiros, voluntários ou profissionais, não recebem por cada dia a combater fogos, mas o contrário: por cada dia em que não houve fogos, sinal de que antes investiram na prevenção e na vigilância). Irá a senhora deputada repor a verdade ou dá mais jeito deixar correr a mentira?."

quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Livros (lidos ou em vias disso)

Vai longe o tempo em que ler Aquilino "obrigava" a ter o calhamaço da Porto Editora sempre à mão. Agora, o telemóvel dá uma ajuda fácil e preciosa, se bem que surjam, de quando em vez, alguns vocábulos, frases ou expressões que a IA ainda não "aprendeu".

O livro chegou há cerca de um ano e é uma (re)edição de 2023 da Bertrand, com o apoio do Município de Moimenta da Beira. Juntou-se aos antigos que por cá "habitam", mas só agora teve direito a leitura. Nem sempre há disposição, e tempo, para o "castigo" que é ler Aquilino ... mas vale sempre a pena. A língua portuguesa tratada pelo Mestre é, ainda, mais maravilhosa.

"(...) Desde aquele momento, a velha igreja adormecida, que o tempo ia consumindo com limar silencioso, acordou à sanha renovadora de meu pai. Dias a fio, o rebuliço quebrou o laborioso encanto da Biblioteca. E uma manhã, uma revoada de aves noctívagas veio abater-se espavorida por detrás dos volumosos tomos de Cornélio Alapide e de Silveira, doutos comentadores de textos.

Minha mãe, na lacrimosa fonte dos monges, lavou de sol nado e sol-pôr. Às braçadas, dos arcazes profundos da sacristia e da casa da fábrica, lhe acarretou meu pai todas as alfaias de linho raso e pano holanda que havia. E tantas eram, que, no dizer de meu mestre, sobejavam para enroupar um albergue de desvalidos. Quando todos estes objectos, artificiosamente obrados, de doce nome e de corte extravagante, alvas, amictos, palas, sanguinhos, frontais, manípulos, corporais, bolsas, secavam ao sol, lembraram-me os estendedoiros de Maria de Nazaré que, antes de ser vaso de eleição, fora modista e lavadeira de delicados dedos.

As minhas devoções cumpri-as agora perante o Cristo exposto no baldaquino da Livraria. Em tempo ordinário, todas as manhãs, antes que meus dedos folheassem livro, dirigia-me à capela a orar e a contemplar. Era um louvável costume que meu mestre me inculcara como fonte copiosa de actividade. Sozinho na nave imensa, a meio dum vagalhão de sombras, o espírito penetrava no meu espírito como o sol por uma vidraça. Do alto tecto alteroso, em uma só curva, a pomba do Paracleto, com rémiges vermelhas laivadas a branco, voejando sobre um bulcão de labaredas, soltava as vozes doloridas: in nidulo tuo moriar. Pisando aquelas lájeas funerárias, eu ouvia-as sempre com a angustiosa obsessão dum peregrino perdido a monte. Em cima, na tribuna, S. Francisco e S. Domingos cresciam em sua estatura severa de gigantes; intimidava-me neles a expressão de força e ombratura de centuriões romanos.

- Não era podoa nenhuma este imaginário - disse-me um dia o senhor padre Ambrósio, apontando com o índex. - Foram assim, apoucados no jeito, grandes no gesto. Rezam as histórias que o papa Honório, terceiro deste nome, em vésperas de confirmar a Ordem dos Pregadores, fundada por S. Domingos, tivera uma visão. O filho de Deus aparecera-lhe armado de três lanças, lívido de cólera, prestes a destruir o mundo que três vícios, a soberba, a cobiça e a luxúria, devoravam. <<Tate! Meu Jesus - acudiu a dulcíssima Virgem Maria - os homens são fracos, são filhos de Adão pecador, mas regeneram-se.>> E, só com mostrar-lhe S. Francisco e S. Domingos, obteve a clemência de Jesus ... De facto, os dois vagabundos dos caminhos salvaram da morte o mundo cristão. Este estatuário não era podoa, Libório, não era ... (...)"

A via sinuosa
Aquilino Ribeiro
Bertrand Editora (2023)

segunda-feira, 1 de setembro de 2025

Tão longe ...

Porque hoje é o "primeiro dia do resto da tua vida", fica por aqui uma escolha tão do agrado do teu filho, meu neto caçula, assinalando a quarta capicua de uma vida que se espera, e deseja, traga muitas.

Parabéns, meu filho!

sábado, 30 de agosto de 2025

Comboios

Há cinquenta anos que não ando de comboio, nem mesmo uma só voltinha para recordar tempos idos e viagens intermináveis, da capital do Oeste para a "cidade grande" e vice-versa. Grandes leituras e, também, enormes sonecas, nas quase três horas de caminho.

Talvez a electrificação da linha do Oeste e a consequente melhoria dos comboios e dos tempos de viagem ainda me apanhem em condições de voltar a usar um meio de transporte que as autoestradas, as vistas curtas e os interesses rodoviários tornaram obsoleto. Portugal é a excepção europeia no que à utilização dos caminhos de ferro diz respeito.

E a que propósito me lembrei eu, hoje, do comboio?

Vi por aí, numa dessas notícias "telefónicas" que chegam depressa e desaparecem logo, uma referência a Lobão da Beira, localidade do concelho de Tondela, distrito de Viseu. Associei a localidade a um cliente para quem, nos meus primórdios profissionais, despachei, via CP, muitos molhos de bacelos que o estimado senhor estava a plantar naquela localidade. Durante três ou quatro anos, já não recordo bem, o telefone fixo tocava e a encomenda surgia, sempre acompanhada pelo convite para visitar as vinhas plantadas, quando calhasse passar por Lobão. Se a visita nunca aconteceu, como me fui lembrar disto agora?

Associação de ideias ou idiotice?

quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Ventos

No alto daquela serra não plantei uma roseira, como fez o outro!

Deixaram-nos por lá umas boas centenas de pinheiros, que vão crescendo, dia a dia, sempre com necessidade de alguns cuidados difíceis de concretizar por quem não tem saber nem experiência da arte. 

Do alto do Montejunto vê-se a Foz, ouvem-se os passarinhos, sente-se a música do vento que, por lá, sopra de forma constante. E cresce-se, vive-se, faz-se "ginásio" e vê-se, claramente visto, que a agricultura é "a arte de empobrecer alegremente".

Que fazer? Enquanto as pernas deixarem, vamos subindo e descendo ...

domingo, 24 de agosto de 2025

Inverno

Com Agosto à beira do fim e o Verão a caminhar junto, nota-se menos gente na praia eleita e já se vai comentando que as férias estão a dar as últimas, com o regresso ao trabalho de muita gente, nomeadamente dos que laboram bem longe daqui.

Como sempre, tudo parece ter um fim, o que nos faz encarar a vida pela positiva e pensar sempre que "depois da tempestade, surge a bonança". Será mesmo assim? Não parece!

Da guerra na Ucrânia, por mais "bocas" que o homem da melena amarelada lance, não se vislumbra fim à vista; na faixa de Gaza, outro mentecapto prossegue na destruição de muitos na tentativa de se safar a si próprio; a Europa lança foguetes e corre, desesperada a apanhar as canas. Por cá, apesar dos estudos, das análises, dos meios, das percepções, das cores dos avisos, dos heroísmos, das tardias ajudas, das festas e romarias com gin à mistura, os fogos continuam a destruir sem dó nem piedade uma parte significativa do país e a ceifar vidas.

Que o Inverno chegue depressa! 

sábado, 23 de agosto de 2025

Palavras bonitas ...

... adequadas para o meu pai, que partiu há precisamente uma década.

VOZ

Era uma voz que doía,
Mas ensinava.
Descobria,
Mal o seu timbre se ouvia
No silêncio que escutava.

Paraísos, não havia.
Purgatórios, não mostrava.
Limbos, sim, é que dizia
Que os sentia,
Pesados de covardia,
Lá na terra onde morava.

E morava neste mundo
Aquela voz.
Morava mesmo no fundo
Dum poço dentro de nós.

Libertação
Miguel Torga
Coimbra (1978) 

terça-feira, 19 de agosto de 2025

Nomes

Tenho um nome próprio não muito vulgar, escolhido por minha mãe, a qual nunca me explicou a razão de o ter feito nem em que se baseou para tal. A dúvida, metódica, já não pode ser esclarecida.

Para além de ser uma cidade da Florida, nos USA, e título de um romance de Virgínia Woolf, parece ter tido origem em nomes germânicos e significar "natural de terra gloriosa". Tinha de ser ...

Até aqui, nada de anormal nem de diferente de milhares de outros nomes escolhidos para muito boa gente.

Todavia ... em criança, poucos acertavam com ele, ouvindo-se Arlando, Arelando, Arrelando, Relando, e, apenas de quando em vez, a pronúncia correcta. Na escola, era frequente surgir o "H" no início e uma cara de espanto quando corrigia o erro. Ainda não há muito tempo, um funcionário ficou boquiaberto por não conseguir encontrar esse nome esquisito na ordem alfabética computacional. 

- Não é com "H"?

Com tudo isto convivi, e convivo, sem quaisquer problemas, muito menos recalcamentos, zangas ou amuos. E gosto muito do meu nome, devo confessar.

Esse gosto está mais reforçado com a constatação de este nome tão difícil ter sido trazido para a "montra" do supermercado e ser marca de comida distintiva para o melhor amigo do homem (e da mulher, claro)! 

sábado, 16 de agosto de 2025

Paz

Antes ou depois do encontro no Alasca? Adivinhar é proibido!


António, no Expresso desta semana, com a actualidade e a qualidade do costume!

sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Livros (lidos ou em vias disso)

"(...) Não é nosso fim censurar uma tendência, que parece invencível; o que queremos é motivá-la.

Por menos observador e menos experiente que seja, qualquer pessoa reconhece que a toleima é quase sempre um penhor de triunfo. Desgraçadamente ninguém pode por sua própria vontade gozar das vantagens da toleima. A toleima é mais do que uma superioridade ordinária: é um dom, é uma graça, é um selo divino.

<<O tolo não se faz, nasce feito>>.

Todavia, como o espírito e como o gênio, a toleima natural fortifica-se e estende-se pelo uso que se faz dela. É estacionária no pobre-diabo, que raramente pode aplicá-la; mas toma proporções desmarcadas nos homens a quem a fortuna, ou a posição social cedo leva à prática do mundo. Este concurso da toleima inata e da toleima adquirida é que produz a mais temível espécie de tolos, os tolos que o académico Trublet chamou <<tolos completos, tolos integrais, tolos no apogeu da toleima.>>

O tolo é abençoado do céu pelo fato de ser tolo, e é pelo fato de ser tolo, que lhe vem a certeza, de que, qualquer carreira que tome, há de chegar felizmente ao termo. Nunca solicita empregos, aceita-os em virtude do que lhe é próprio: Nominor leo. Ignora o que é ser corrido ou desdenhado; onde quer que chegue, é festejado como um conviva que se espera.

O que opor-lhe como obstáculo? É tão enérgico no choque, tão igual nos esforços e tão seguro no resultado! É rocha despegada, que rola, corre, salta e avança caminho por si, precipitada pela sua própria massa.

Sorri-lhe a fortuna particularmente ao pé das mulheres. Mulher alguma resistiu nunca a um tolo. (...)"

A mão e a luva
(Queda que as mulheres têm para os tolos)
Machado de Assis (1839-1908)

terça-feira, 12 de agosto de 2025

Sono

 Está um calor de ananases.

O país a arder, as praias cheias, hospitais encerrados, festas e romarias, todo o mundo em férias ou quase.

As televisões repetem-se, os jornais copiam-se, o mercado futebolístico agita-se, os candidatos autárquicos colocam-se em bicos de pés, falam, falam e ... o país vai indo, sem culpa nenhuma de ter nascido e nem sequer ter sido ouvido no respectivo acto.

Sobram os tudólogos, ouvidos a torto e a direito, opinando em todas as direcções, com verdades nuas e cruas sobre tudo e sobre nada, opiniões, soluções e conclusões que, dez segundos depois, caem no mais completo esquecimento, substituídas por outras idênticas e igualmente vazias no valor e na forma e bem cheias na verborreia.

sábado, 9 de agosto de 2025

Livros (lidos ou em vias disso)

"(...) << O que não se vê não existe. >>

Se lhe perguntassem em que consistia o seu trabalho, bastava-lhe responder assim. Eliminar o que não pode ser visto. Engolir, apagar, sufocar, sepultar. Encobrir. Erguer muros. Abrir buracos. Omar era mestre na arte do soterramento e do segredo. Ninguém sabia tão bem como ele contrapor um silêncio opaco e sereno a quem fazia perguntas. Nada conseguiria fazê-lo fraquejar, nem sequer o rosto enlutado das mães que procuravam os filhos ou as súplicas de uma jovem cujo marido desaparecera, uma manhã. Em 1965, durante os protestos estudantis, ele participara na tarefa de apagar os vestígios do massacre. Com os seus homens, assumira o controlo da morgue de Aïn Chock e, durante dias, ninguém pôde entrar ou sair de lá sem que Omar desse o seu aval. Muitas famílias reuniram-se diante do edifício, reclamando os restos mortais dos seus entes queridos. Ele mandou expulsá-las. Depois, uma noite, carregaram os corpos na traseira de uma carrinha, com os faróis apagados. Corpos frágeis e leves, cadáveres de adolescentes e de crianças que não pesavam nada nos braços dos polícias encarregados de os transportar. Deslocaram-se até ao cemitério deserto e Omar ainda se recordava do reflexo da lua nos túmulos e dos buracos que foram abertos, em pontos dispersos, afastados uns dos outros. Os polícias começaram a descarregar a carrinha. Alguém quis rezar, mas Omar não o permitiu. Deus não era para ali chamado.

Naquele país miserável, bastava distribuir umas notas. Ao médico que testemunharia que não vira nenhum ferido. Ao coveiro que, por um punhado de dirhams, se esqueceria que cavara sepulturas para crianças assassinadas. Omar nunca aceitava dinheiro. E, no entanto, ofereciam-lho centenas de vezes. E viu, amiúde, os seus colegas aceitarem maços de notas escondidos num envelope de papel pardo. Viu-os enriquecer e subir na escala hierárquica. Casavam-se com raparigas ricas de boas famílias, cujos pais se alegravam por terem um genro na polícia. (...)"

Vejam como dançamos
Leïla Slimani
Alfaguara (2022)

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Actualidade

Quem é dotado, vê sempre mais longe, mais cedo, mais claro e não tem medo de o dizer bem alto.

Sophia de Mello Breyner Andresen escreveu o poema; Francisco Fanhais musicou-o e cantou-o há mais de meio século. Lendo e ouvindo com atenção, podia ter sido ontem. Estaria tão actual como naquela altura (1970).

As guerras continuam, a fome mata todos os dias, as armas proliferam, o poder encanta e utiliza-se despudoradamente em proveito próprio, o egoísmo grassa. Não podemos ignorar ...

terça-feira, 5 de agosto de 2025

Respeitinho

O país vai de carrinho ... preocupado com as minudências, que ocupam as conversas, distraem da floresta e são tema dos areais.

De acordo com o "discurso" da senhora Ministra, as leis do trabalho têm de ser alteradas, porque há abusos que não se podem admitir. Há mulheres que se aproveitam da lei e usufruem da dispensa de trabalho - duas horas por dia - para amamentarem os filhos até eles irem para a escola (ou para a tropa?).

Solução: prazo fixo de 2 anos, a partir do qual não será possível usufruir. Nem mais um dia ... a lei será para cumprir.

Puna-se, fixe-se, limite-se e teremos toda a gente na linha ... mesmo que a grande maioria lá esteja e não seja abusadora.

E sempre a bem da nação, que não pode pactuar com esta gente que de tudo se aproveita ...

Quantas são? Quantos são?

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

50 - 1

Heliotrópio - Designação de várias plantas que se viram para o Sol, quando este se acha acima do horizonte (Dicionário Texto Editora - 2009)

"Dr. Google" - 49 anos de casamento: bodas de Heliotrópio.

terça-feira, 29 de julho de 2025

Palavras bonitas

Elogio do sorvete

come sorvetes  velha  come sorvetes
que a morte chega mais cedo do que pensas
bem melhor será partires toda fresquinha por dentro
com tanto fogo aceso nas paredes de Maio

além disso ficas mais bonita (tu que já és
de novo uma criança) com a bolacha esguia
a arrefecer-te os dedos frios e a língua
a saltitar na palidez dos lábios

come sorvetes  velha  come sorvetes   que
tirando os chocolates do nosso tio
Fernando Pessoa
os sorvetes são a melhor metafísica
e tornam os dentes incrivelmente brancos

Poesia reunida
o pouco que sobrou de quase nada
Manuel Alberto Valente
Quetzal (2015)

segunda-feira, 28 de julho de 2025

Lixo

O mar agitado, o norte zangado, a temperatura desagradável, contrariando os avisos amarelos do IPMA. Dois ou três teimosos atrás dos "tapumes", bem enroladinhos na toalha, que não é altura para apanhar constipações.

Constatação: na Foz, seguidinhos, seguidinhos, vão lá dois dias e é um pau! Amanhã ou depois se verá.

Um passeio até à Lagoa, já com muita gente e sem as agruras do lado do mar. Dificilmente se encontra no país um sítio destes: em pouco mais de quinhentos metros, sai-se do frio quase glaciar para a ausência de vento e mar calmo. Faltam as ondas, é verdade, mas olhando bem, sobra o lixo. 

Não aprendemos! De garrafas de água a sacos de papel, de "beatas" a roupa velha, há de tudo um pouco.

E ouve-se: ninguém limpa!

E apetece escarrapachar num letreiro com letras bem grandes:

- Não seja porco! Ponha o lixo no lixo, sua besta!

domingo, 27 de julho de 2025

Bicicletas

Terminou há pouco a Volta à França em bicicleta, ou melhor, o Tour de France. E foram, para quem gosta de ciclismo e de bicicletas, três semanas de alta competição, excelente espectáculo e maravilhosas paisagens, como sempre.

Foi pena o "nosso" João Almeida ter caído. Depositavam-se justas esperanças numa grande classificação, mas o infortúnio acabou com elas. Ossos do ofício ... Vem aí a Volta à Espanha e talvez a costela já esteja em condições de o levar mais alto e mais longe.

As minhas costas e o tempo que levo já não me permitem dar pedaladas como gostava de fazer. Dei muito ao pedal, com alguns trambolhões pelo meio. Dizia-se, naquela altura, que para se conseguir saber bem andar era preciso cair, pelo menos, sete vezes ... e meia! Caí mais de sete vezes, de certeza absoluta. Da meia, não me lembro. 

terça-feira, 22 de julho de 2025

Nuvens negras

Julho está quase a chegar ao fim! Muita gente já recebeu o seu ordenado ou a sua pensão, ainda sem as diminuições da retenção do IRS. Muitos nem sabem o que isso é, mas uma boa parte notará bem nas folhas de Agosto e Setembro. A falta de recursos humanos para efectuarem os cálculos é a causa e não, nunca, como apregoam as más-línguas mal intencionadas, a aproximação das autárquicas.

O tempo, que permitiu uns bons mergulhos "fozenses", numa manhã de solinho, com uma brisa agradável, aparece agora com novidades, escurecendo e pingando, pressagiando que, como de costume, o primeiro de Agosto será o primeiro de Inverno. 

Ainda dará oportunidade de mais alguns mergulhos, mas o céu está a escurecer e aquilo que pareciam ser "favas contadas" nas presidenciais, surge agora com um resultado imprevisível, mesmo para os grandes literatos do assunto. O cenário apresenta um tempo instável, parecendo que, afinal, o campeonato, que ainda nem começou,  vai ter duas rondas e não há ninguém para ganhar "sem espinhas". 

Tudo indica que terei de votar sem óculos ...

segunda-feira, 21 de julho de 2025

Livros (lidos ou em vias disso)

"(...) Por recomendação de uma amiga da minha mulher, enfarinhada em gozos acessíveis à bolsa, marcámos férias no hotel da FNAT na Foz do Arelho. Face à minha irresolução Noémia trataria de tudo, não desistindo de me estimular entretanto com projectos e projectos durante a estadia. Era para ela como se nos deslocássemos em veraneio à Côte d'Azur, ou aos Mares do Sul, e uma prodigiosa aventura se abrisse à nossa frente. Preparou quatro malas com o conveniente ao efeito, mudas de roupa, toalhas e óculos escuros, duas almofadas insufláveis, e o inevitável bronzeador. Além disso incluiria para mim uma trousse de latex que, e ainda à antiga, denominava <<o maillot>>, e uma indumentária para ela, estampada com uma minudência de palmeiras e ananases, e expondo-lhe com modéstia algumas zonas do corpo, à qual chamava <<o fatinho de sol>>.

Aquilo transformar-se-ia porém num desterro insuportável, desprovido da papelada que significava a coluna dorsal dos meus dias, e por isso encolhia-me num amuo acidulado. Mantinha-me à sombra do mastodôntico edifício que tresandava aos restos acumulados das insípidas refeições, e votara um ódio sem fim à mera ideia das ardências do areal. Quanto aos hóspedes, e referindo-me primeiro aos do sexo masculino, arrastavam-se em tardes e noites de campeonatos de sueca, ou de king, e os mais velhotes tombavam de borco, ora taralhoucos, ora ensonados, sobre as perdas do dominó. Relutantes a desvendar as misérias das banhas, as idosas mães de família sentavam-se em perpétuo num minúsculo banquinho de madeira, tapando os joelhos com uma écharpe de chiffon, no intuito de que não lhes devassassem as coxas branquíssimas. As novas em conclusão falazavam sem parança, e todas a um tempo só, acerca de coisas e loisas, e entre contos e ditos.

Certa vez, e como se condescendessem em nos oferecer um lauto presente, trouxeram para nos divertir um cantor de olheiras cavadas, carpindo em boleros os seus dissabores de corno inato, mas levantando atrás de si os haustos das fãs sem aconchego. Setembro chegado, dera de assobiar um ventinho barbeiro que enregelava até mesmo os intrépidos, e sempre que eu procurava fugir a tão triste desconchavo, topava nas traseiras do casarão com as cozinheiras, e as respectivas ajudantes, fardadas como pessoal de enfermagem, mas de bata encardida, que lavavam à vassourada os panelões do seu ofício. Regressei espavorido, enjoado por um travo de enxúndias moídas, e temperadas em excesso. De tripa assanhada, ora pelos comeres que empanzinara, ora pela cólera para que não descobria refrigério, jurei e trejurei, e muito contra o silêncio de Noémia, jamais repetir o esquema balnear. (...)"

Cruzeiros de Inverno
(Menina sentada)
Mário Cláudio
D. Quixote (2025)

domingo, 20 de julho de 2025

Atleta aniversariante

O Algarve, mais concretamente a cidade de Loulé conta, há já alguns dias, com a presença de um nadador ilustre, a disputar o Campeonato Nacional de Infantis de Natação Loulé 2025. 

Não teria nada de extraordinário - mais um entre tantos - mas este é especial: é o meu neto, segundo na escala da chegada e último na cronologia dos aniversários anuais. E se, só por isso, já se justificaria o destaque, acontece que hoje o Vasco completa 14 anos, lá bem no sul do país, debaixo de uma canícula forte e muito diferente da oestina, e "apenas" com a companhia dos pais, do irmão e dos elementos da sua equipa.

É diferente do costume, mas será um aniversário inesquecível.

Parabéns, meu neto. Estás um homem, já maior do que eu. Amanhã dar-te-ei aquele abraço apertado, bem merecido, pelo aniversário, pela força e pela qualidade. BOM DIA!

sexta-feira, 18 de julho de 2025

Vejam bem ...

Vejam bem
Que não há só gaivotas em terra
Quando um homem se põe a pensar
(...)

José Afonso

O estado da Nação esteve ontem em debate na Assembleia da República e proporcionou um espectáculo bem elucidativo da miséria a que chegámos.

Fanfarrões e frouxos, cobardias e ofensas, citações eloquentes mas erradas, àpartes de taberna já fora de horas, houve de tudo, ilustrando, sem margem para dúvidas que, cada vez mais, os debates são mais acesos quanto menor é o nível dos discursos.

E como se isto não fosse suficiente, parece ser "voz" corrente nas redes ditas sociais que há muita, mas mesmo muita, gente nova a torcer para que "a moda" se propague sem roque mas com rei à espreita.

Embora o caminho se faça caminhando, há muita gente com a ideia de que o importante é calar a opinião do outro.

Haverá preço e não serão os velhos a pagá-lo ... 

quinta-feira, 17 de julho de 2025

Barracas

Apetecia-me escrever sobre Gaza, Ucrânia, Síria, ou sobre o Bairro do Talude, em Loures. Falta-me em competência o que me sobra em rancor e correria o risco de ser mandado às urtigas por me meter onde não sou chamado, arrimado na minha condição de burguês bem instalado numa casa a sério.

Não resisto a uma pergunta elementar, que ainda não vi respondida, talvez por me faltar a pachorra necessária para escutar as explicações tipo "e, para cúmulo da chatice, tanto falou e nada disse". A pergunta é esta: há quanto tempo começaram a ser construídas as "casas" do Tapume? Talvez a resposta seja: no início da semana passada. Se assim foi, aquela gente merece ser contratada desde já para um lugar de responsabilidade nas grandes obras nacionais, dada a capacidade evidenciada para construir num instante.

Se assim não foi, surgem outras perguntas pertinentes: ninguém deu por aquilo antes? Foi decidido demolir agora, por se presumir que os habitantes estariam de férias no Algarve?

Não se brinque com coisas sérias! As (re)eleições não podem justificar tudo!

quarta-feira, 16 de julho de 2025

Actualidade

Ontem foi noite de teatro e, um pouco fora do habitual, até nem estava frio. O casaquinho do costume fez jeito e deu o conforto suficiente para a atenção que foi necessária.

A plateia estava completa, para assistir a mais uma excelente produção do Teatro da Rainha - a comemorar 40 anos e com uma exposição, linda, no céu de vidro -, desta vez em parceria com o Teatro das Beiras

"A noite dos visitantes", de Peter Weiss, com encenação de Fernando Mora Ramos, trouxe a parábola, velha, às tristes ruínas a que chegou a antiga Casa da Cultura. A peça mostra que a história vai repetindo episódios e o teatro continua a carregar o dever de nos lembrar isso mesmo. Aquilo que parece novidade é, afinal, mais um episódio copiado e a maior parte das vezes pior que o original.

Continuamos a ser egoístas, a assobiar para o lado e a aceitar normalizar comportamentos que nos deveriam envergonhar.

Viva o Teatro! 

Nota: A peça está em cena até ao próximo dia 21 de Julho e tem entrada livre.

segunda-feira, 14 de julho de 2025

Normalidade

Não era difícil acertar. É o saber da experiência feito de que falava Camões. 

A Foz e o oeste, há muito que nos habituaram a isto: nortada, bem forte, mar bruto, bandeira vermelha, água fria, que até "corta" os tornozelos. Há-de fazer bem a qualquer coisa ...

E ninguém estranha, a não ser os que por aqui estão de passagem e julgaram ter mais uns dias como ontem.

Esperem, calminhos, sentados e abrigados. Pelo sim, pelo não, tenham um casaquinho sempre à mão!

domingo, 13 de julho de 2025

Manhã de excepção

Hoje a Foz permitiu furar as ondas, sentir o mar a roçagar as costas, dar umas braçadas sem cuidados de maior, ir e voltar várias vezes, tirar a fotografia de grupo, falar disto e daquilo, resolver todos os problemas excepto aqueles que não têm qualquer solução. Convém ter sempre presente que só há dois tipos de problemas: aqueles que o tempo resolve e os outros que nem o tempo consegue resolver.

Aproveitamento máximo. Nunca se sabe o dia de amanhã ...

E a água nem estava (muito) fria!

sábado, 12 de julho de 2025

Livros (lidos ou em vias disso)

"(...) Em setembro, como era moda médica nesse tempo, o doutor Bravo da Mata declarou a minha absoluta necessidade de ser operado às amígdalas. Vários dos meus amigos tinham voltado do hospital, meses antes, e, apontando para o fundo da garganta, diziam: << Não estás a ver nada porque me tiraram as amigas. >> Sobre a dificuldade do processo não se abriam, mas estava mais ou menos determinado que acabaríamos todos com estes orgãos extraídos preventivamente. Modas não se discutem e lá acabei, tal como muitos outros, totalmente separado da minha família, pela primeira vez na vida, durante uma semana. 

Na entrada do hospital, fui entregue aos cuidados de uma freira sem idade que me levou para uma enfermaria conventual, com diversas camas. Outros rapazes dormitavam nelas. Entre eles, numa alegria breve, avistei o Ica, um dos gémeos que moravam perto.

<< Vens tirar as amigas, também? >>

<< Não, parti um braço em três sítios >>, respondeu-me, tristemente.

A queda da bicicleta sobre um terreno rochoso tinha provocado a necessidade de intervenção cirúrgica. Estava pálido, dentro do pijama de riscas do hospital. Acenou-me, uma vez mais, com a mão em bom estado, e mergulhou nos lençóis antes que a freira se chateasse. Eu ainda não o sabia, mas estas vigilantes de hábito impunham, naquele lugar escuro, de janelas altas, o silêncio a todas as crianças. Ajudava a curar, diziam elas. Mesmo às crianças, habituadas ao riso.

A que me acompanhava disse-me que me despisse completamente, deixando-me apenas uma pequena toalha para tapar a tímida genitália. Demorou a voltar com um pijama e, eu, nu e sozinho, senti ainda mais a falta de casa. (...)"

A selva dentro de casa
Possidónio Cachapa
D. Quixote (2024)

sexta-feira, 11 de julho de 2025

quarta-feira, 9 de julho de 2025

Tubarão

"Cada vez que fala verdade, cai-lhe um braço ..." Ainda tem os dois.

- Foi colocada a bandeira vermelha porque foi avistado um tubarão.

Ninguém acreditou. Está sempre no gozo e foge das conversas sérias como "o gato das brasas".

A maré estava a encher e, quando se deu o banho, havia algumas correntes "contraditórias". Nada que fugisse ao normal da Foz. Sentados na conversa, não demos conta da saída de toda a gente da água, incluindo os surfistas. 

Estava na hora do regresso e só nessa altura foi apercebida a mudança de cor das bandeiras. 

- Os agueiros aumentaram e os banheiros querem estar sossegados ..., comentou a má língua, sempre viperina.

No caminho, a estória do tubarão que, vinda de quem vinha, não trazia qualquer hipótese de credibilidade. "Cesteiro que faz um cesto, faz um cento!" 

Afinal era verdade! Tão injustos que nós somos ... O tubarão passou ao largo e a Capitania, zelosa, ordenou a saída de toda a gente da água, para que ele pudesse nadar sem obstáculos. "Não vá o diabo tecê-las ..."

Já tudo voltou à normalidade e amanhã, se o tempo deixar, voltaremos ao banho da manhã, tão frio que há-de fazer bem a qualquer coisa. O tubarão rumou para outras paragens e não regressará, acreditemos.

segunda-feira, 7 de julho de 2025

Gostos não se discutem

Como facilmente percebe quem por aqui vai espreitando, sou um eclético ouvidor de música, sem quaisquer receios de manifestar preferências, mesmo que estas não sejam consensuais ou estejam na berra.

Ouço música de Cabo Verde há muitos anos! Como parece cada vez mais normal, a gaveta foi resgatar memórias antigas quando ouviu notícias sobre as comemorações dos 50 anos da independência daquela antiga colónia portuguesa.

Há mais ou menos sessenta anos convivi, durante alguns meses, com dois cabo-verdianos, um deles com idade para ser meu pai - cerca de 40 anos -, o outro um pouco mais velho do que eu: cantei-lhe os parabéns, com a voz bem desafinada, no dia em que fez 18 anos.

Ainda não se falava de Cesária Évora ou Tito Paris, muito menos de Tété Alhinho ou Sara Tavares. Adelino, o mais velho, e Cula, o jovem, ensinaram-me as diferenças entre a morna e a coladera e abriram-me a boca de espanto nas muitas vezes em que os ouvi tocar e cantar. Tocavam cavaquinho e daqueles dedos negros saíam ritmos frenéticos ou dolências mimosas, desconhecidos para mim e que me habituei a ouvir, calado e deliciado. O Cula fazia percussão com qualquer coisa, da caixa de sapatos ao tampo da mesa, do colchão ao prato da sopa virado ao contrário. 

Regressaram à sua terra e nunca mais deles ouvi falar ou tive qualquer notícia. Talvez já não pertençam ao mundo dos vivos. Vieram-me à memória e devo-lhes o ter aprendido a gostar da belíssima música cabo-verdiana, que continuo a ouvir regular e regaladamente.

sábado, 5 de julho de 2025

Bom e expressivo

A roda dentada do tempo não avaria, nunca! E prossegue, inexorável, o seu afã de fazer crescer cada um, a velocidades bem diferentes aos olhos de cada qual.

O meu neto GRANDE faz hoje 19 anos, tantos quantos o avô tinha há 54, quando a tal roda quase lhe parecia que não andava e o tempo teimava em se deslocar a velocidade de caracol. Afinal, a rodinha revelou-se, aplicou-se, esmerou-se, foi trazendo cada dia atrás do outro e cada vez com mais velocidade. Pelo menos, assim parece!

BOM E EXPRESSIVO

Acaba mal o teu verso,
mas fá-lo com um desígnio:
é um mal que não é mal,
é lutar contra o bonito.

Vai-me a essas rimas que
tão bem desfecham e que 
são o pão de ló dos tolos
e torce-lhes o pescoço,

tal como o outro pedia
se fizesse à eloquência,
e se houver vossa excelência
que grite: - Não é poesia!,

diz-lhe que não, que não é,
que é topada, lixa três,
serração, vidro moído,
papel que se rasga ou pe-

dra que rola na pedra ...
Mas também da rima <<em cheio>>
poderás tirar partido,
que a regra é não haver regra,

a não ser a de cada um,
com sua rima, seu ritmo,
não fazer bom e bonito,
mas fazer bom e expressivo ...

Tomai lá do O'Neill!
Alexandre O'Neill
Círculo de Leitores (1986)

quinta-feira, 3 de julho de 2025

Passagem aérea

Quarta passada, semana acabada! E hoje já é quinta, com mais de dois terços do dia cumpridos e a caminho da noite. Adivinha-se meiga, bem diferente do quotidiano oestino.

Talvez justifique uma voltinha pela cidade, sem pressa e utilizando a nova passagem aérea, com elevador e tudo, que poupa uns valentes degraus, bem difíceis, que o antigo "galinheiro" obrigava a subir.

Com o desaparecimento do "lixo" da velha, a Rua 15 de Agosto ficou mais desanuviada, mais bonita e com grande vontade de receber, espera ela, a praça prometida.

Quase me esquecia, mas ainda vai a tempo: se houver passeio, convém levar um casaquinho, não vá o oeste pregar a partida costumeira.

terça-feira, 1 de julho de 2025

Livros (lidos ou em vias disso)

"(...) Agora, incluída no seu projecto, já posso perguntar. Afinal que livro quer o meu pai escrever. Responde que lhe chamou Teoria Geral da Insubmissão. Nada mais, nada menos. E eu a pensar num Lusitânia Revisited, ó mágoa, ó Tejo mudo a correr entre o Algarve e o Minho. Não admira que nunca tivesse chegado ao fim.

O sonho e o destino do país tenham paciência, que o deixem em paz. O meu pai considera a insubmissão o único sentido da História, o único sentido da vida.

Excepto quando me exige obediência. Discorda quase sempre das minhas escolhas. Irrita-se. Desorienta-me. Escolho não discutir, não suporto as suas iras.

Começa a traçar o plano de escrita, não tarda a dispersar-se. Divaga.

Então vai ser assim, tu sacas do tablet, eu digo umas larachas, acrescentamos claras em castelo, umas pedrinhas de sal, uma calamidade, um susto, umas palavras-formigas, umas frases-cigarras, pimenta na língua bárbara, murros nas trombas do poder. Achas que chega? Talvez encontres mais ingredientes no tablet, livros instantâneos, como os pudins. No meu tempo só havia uma ardósia e giz, tudo cinzento, mais tarde umas folhas pautadas e uma caneta de tinta permanente. Quando me puseram uma máquina de escrever na secretária nunca mais quis outra vida. Verdade que o teclado HCESAR não ajudava. Ainda se fosse o AZERT, o internacional. Mas não, o Saladas queria a pátria espremida em teclas orgulhosamente sós. Através do teclado, dois destinos divergentes, a repartição e a poesia. Via-os inimigos, mas só porque era míope, ingénuo e acagaçado. Afinal, quando bati com a porta da repartição, a miragem ficou lá dentro, encerrada no teclado. Orgulhosamente europeu dessa vez, pelo menos já era AZERT. Tomaste nota? (...)" 

Corpo Vegetal
Julieta Monginho
Porto Editora (2024)

segunda-feira, 30 de junho de 2025

Calorzinho

A necessidade de resolver um problema "habitacional" obrigou a uma deslocação à Serra d'El Rei. Como ainda era cedo, foram desprezados os acessos modernos da A8 e do IP 6 e utilizada a velhinha e bem conhecida EN 114 - muitos quilómetros foram feitos por ela na década de 80 do século passado.

Tratado o assunto, uma vez que, "quem bem o sabe, depressa o reza", "já agora", um saltinho ao Baleal, para ver se o tempo está igual ao da Foz ...

Tal e qual ou sem tirar nem pôr. Nevoeiro denso, frio, vento e o mar, ausente. Ala, que se faz tarde!

Circundada a rotunda, percorridas umas centenas de metros e, de novo, Ferrel, agora uma vila desenvolvida e bem tratada, muito diferente da que existia aquando da luta contra a central nuclear. O sol brilha e o calor aperta.

Isto está tudo mudado!

sábado, 28 de junho de 2025

Palavras bonitas

S. Martinho de Anta, 28 de Junho de 1986

REBATE

Tantas palavras que conheço agora
E malbarato
No papel,
Aqui onde só duas aprendi
Com eterno sentido:
Pai e Mãe!
Mas ninguém
Fica fiel à infância.
Crescemos
E perdemos
A inocência
E a sua mágica
Sabedoria.
Adulto que porfia
Nestas solfas de letras alinhadas
E paralelas,
Chego a ter pejo de as escrever.
Que podem dizer elas
Que valha a pena ler?

Diário XIV
Miguel Torga
Coimbra

sexta-feira, 27 de junho de 2025

Liberdade

O cartoon de António e a crónica de Miguel Sousa Tavares justificam, como sempre, o valor dispendido na compra da edição semanal do Expresso.

Na sua crónica, após referenciar a frase já aqui reproduzida, Miguel Sousa Tavares escreve:

"(...) Esta frase ficará para a história, lembrem-se dela por muitos anos, pois ela resume na perfeição o papel de cãozinho do dono que tem sido o de Mark Rutte, o infeliz secretário-geral da NATO. O neerlandês não é, por si mesmo, membro da NATO, mas apenas o coordenador de vontades e construtor de consensos entre os 32 membros da organização. Porém, desde o primeiro dia, e certamente também temente pelo futuro do seu cargo, ele fala como se mandasse em todos e a todos pudesse impor livremente a vontade do dono, o seu tão admirado Donald J. Trump - esse tão confiável Presidente americano, que poucas horas antes da cimeira de quarta-feira voltou a pôr em causa o cumprimento do artigo 5º do Tratado do Atlântico Norte, o próprio fundamento da NATO: um por todos, todos por um. Já sabíamos que Rutte é um serventuário de Trump, ainda mais que o seu antecessor, Stoltenberg. Mas escrevê-lo assim, com estes requintes de subserviência e dando já por decidido o que só no dia seguinte se iria discutir, é suficiente para concluir que o homem não está à altura do cargo. Se houvesse alguma réstia de dignidade e orgulho próprio entre os dirigentes ocidentais de hoje, o ponto nº. 1 da ordem de trabalhos da Cimeira da NATO em Haia teria sido a destituição do seu secretário-geral. (...)"

A crónica acaba assim: "Nunca tantos viveram, indefesos e ignorantes, tamanha hipocrisia".

quarta-feira, 25 de junho de 2025

Cretinos

Aquele figurante que foi Primeiro-Ministro dos Países Baixos e, nessa qualidade, disse que os portugueses só sabiam gastar o dinheiro da UE em p...s e vinho verde, é agora o fantoche que manda na Nato.

Talvez por estar actualizado e viciado nas mensagens rápidas e concisas, resolveu mandar uma ao (seu) Presidente da melena. Ainda bem que não releu o texto e lhe saiu uma pérola que, sem qualquer dúvida, vai merecer o Nobel da parvoíce, da sabugice e da cretinice.

"Parabéns e obrigado pela tua ação decisiva no Irão, que foi verdadeiramente extraordinária, e algo que mais ninguém se atreveu a fazer. Isso torna-nos a todos mais seguros. Estás a viajar para mais um grande sucesso em Haia esta noite. Não foi fácil, mas temo-los todos comprometidos com os 5%!. A Europa vai pagar à GRANDE, como devia, e será uma vitória tua. Donald, tu conduziste-nos a um momento mesmo mesmo importante para a América e para a Europa, e o mundo. Alcançaste algo que NENHUM presidente americano em décadas conseguiu."

Não se conhece a resposta de Donald Trump a Mark Rutte mas, a avaliar pela amostra, as conversas de quem manda no mundo estão, cada vez mais, a descer de nível e a subir de interesse!

terça-feira, 24 de junho de 2025

Tão longe ...

Em menos de trinta dias, a contar de hoje, irão decorrer os aniversários de três dos quatro "rapagões" que nasceram "ontem", com grande alegria dos pais e um orgulho enorme dos avós.

Hoje é a vez do Duarte, terceiro na cronologia, que completa uns maravilhosos treze aninhos. Está longe, com três horas a mais, que obrigam a que a alvorada seja muito cedo e o serão curtinho, quando se tenta comparar com os horários de cá.

Tem mundo, conhece gente de todo o lado, de todas as cores e todos os hábitos. Enriquece todos os dias, o que nunca irá esquecer e lhe irá servir para a vida.

Parabéns, meu DUDU querido. Daqui a dois dias vou dar-te um abraço igual ao último, dado na despedida de Baku. Sem chuva nos olhos, espero.

segunda-feira, 23 de junho de 2025

Teatro ... da vida

Ver e ouvir a declamação deste lindo poema de Ruy Belo, integrado num grande espectáculo de teatro musicado, com encenação de Ricardo Pais e o título de Talvez ... Monsanto, foi um privilégio ao mesmo tempo arrepiante, comovente, excepcional, lindo.

Tudo brilhante! Dos actores aos músicos, da poesia à encenação, dos adufes ao contrabaixo, das vozes às interpretações, com um destaque especial para Luísa Cruz.

QUERO SÓ ISSO NEM ISSO QUERO

Quero uma mesa e pão sobre essa mesa
na toalha de linho nódoas de vinho
quero só isso nem isso quero

Quero a casa de terra à minha volta
cães altos na noite a minha mãe mais nova
quero só isso nem isso quero

Quero a casa do forno onde eu me escondia dos relâmpagos
e trovões quando um ferro no cesto garantia uma feliz cria à galinha chocadeira
quero só isso nem isso quero

Quero de novo fundir ao lume os soldados de chumbo que no natal me punham no sapatinho
e tirar chouriço e toucinho do guarda-comidas
quero só isso nem isso quero

Quero fazer pequeninos adobes e construir casas pelo quintal
ver chegar o verão e comermos todos lá fora na varanda de tijolo
quero só isso nem isso quero

Quero uma aldeia umas pedras um rio
umas quantas mulheres de joelhos brancos esfregando a roupa nas pedras
quero só isso nem isso quero

Quero escrever fatais cartas de amor à rapariga dos meus oito anos
rasgar essas cartas deixá-las pra sempre dentro do tronco oco da oliveira
quero só isso nem isso quero

Quero umas cabras um pastor rico um pastor pobre
o leite quente na teta o cabrito morto soprado e esfolado
quero só isso nem isso quero

Quero a courela as perdizes no ovo a baba do cuco
laranjas de orvalho no ano novo colhidas na árvore
quero só isso nem isso quero

Quero dois montes e um paul de malmequeres a cheia na primavera
a asma o ruído dos ralos as pernas sombrias das raparigas
quero só isso nem isso quero

Quero que voltem os que morreram os que emigraram
matar com eles o bicho com aguardente pela manhã antes da pega
quero só isso nem isso quero

Quero ver ao vento o véu das noivas apanhar os confeitos nos casamentos
saber pelos papéis dos registos o tempo da prenhez palavra misteriosa
quero só isso nem isso quero

Quero um pátio meu e da sombra e galinhas pedreses e árvores
uma mina de avencas uma horta uma sebe de cana umas casas caídas
quero só isso nem isso quero

Quero ajudar na rega do fim de tarde calcar os buracos das toupeiras
e dirigir com o sacho a água morna nos pés até aos regos do feijão
quero só isso nem isso quero

Quero em dezembro o varejo final da azeitona o búzio a tocar
a azeitona a cair dos ramos nos panos de serapilheira
quero só isso nem isso quero

Quero o meu pai de chapéu de chuva aberto nos dias de sol
o meu pai de manhãzinha a lavar-se e a explicar-nos latim e história
quero só isso nem isso quero

Quero nu em pelota entre todos tomar os banhos no marachão
os ninhos dos pássaros as andorinhas de asas escuras no céu azul
quero só isso nem isso quero

Quero o pátio da escola a roda das raparigas a cantar à volta do plátano
o primeiro sonho de amor as primeiras palavras gaguejadas trocadas com uma rapariga
quero só isso nem isso quero

Quero as feridas nos pés para poder sair à rua descalço
o pão com conduto entre os meninos pobres no recreio
quero só isso nem isso quero

Quero ir ao vale barco a malaquejo à marmeleira
roubar melões jogar ao murro ver nas festas o fogo preso
quero só isso nem isso quero

Que quero tanto que quero um mundo ou nem tanto só agora reparo
quero morder para sempre a almofada quente e densa da terra
quero só isso nem isso quero

Todos os poemas
Ruy Belo
Assírio & Alvim (2000)

domingo, 22 de junho de 2025

Guerra

Ainda não era suficiente e havia (há) muito material para esgotar. Um regresso aos Açores para ver a paisagem e dar de beber a quem tem sede, em terra ou no ar.

Mais uns bombardeamentos, para que todos se (re)coloquem no carril do comboio comandado pelo homem da melena amarelada e segura pela boa laca, talvez de fabrico chinês, com tarifas.

Onde e quando irá acabar?  

domingo, 15 de junho de 2025

Livros (lidos ou em vias disso)

"(...) Quando me mudei para Higienópolis, minha mãe me deu dois presentes: um enorme vaso de murano e uma coleção de pratos Vista Alegre. Disse que seria impossível pertencer àquela nova realidade sem esses objetos.

Fui trocar o vaso, e descobri que com o mesmo valor eu poderia adquirir na loja uns vinte itens desnecessários para minha casa. Minha mãe me disse que ter vinte objetos meio baratos era coisa de pobre. Rico tinha uma coisa única e cara. Mas o que eu faria com um imenso vaso de murano? Minha mãe quis saber então o que eu faria com vinte coisas das quais não precisava. Argumentei que eu também não precisava de um vaso de murano. Ela então respondeu: <<Você que pensa que não precisa, isso vai mudar.>>

Ao me visitar em Higienópolis, minha mãe reparou que eu ainda estava do lado mais barato do bairro. O legal era depois da avenida Angélica, e não antes dela. Argumentei que para quem vinha do outro lado da Angélica eu morava exatamente depois da Angélica.

Estava perto do Natal e resolvi dar um almoço em casa. Exibi minha coleção de pratos Vista Alegre e uma amiga, com um casaco imenso, levantou da mesa para cumprimentar um casal e lançou um dos pratos para longe, quebrando-o ao meio. Comecei a chorar e a rir, <<eu choro à toa, não liguem!>>. A amiga me abraçou <<é só um prato>>.

Não era o prato. Eu estava chorando porque quando vem a pontada intensa de amor pela minha mãe, o raio do amor absoluto e infinito, a descarga elétrica do amor mais intenso, eu choro. O prato quebrado me lembrou de como eu amava a minha mãe e minha vida seria insuportável quando ela morresse. Como eu veria para sempre aqueles pratos em minha casa, depois que ela morresse (...)"

Tati Bernardi
A boba da corte
Tinta da China (MMXXV) 

sábado, 14 de junho de 2025

Percepções

Por muito que se tente assobiar para o lado, sentir o vento norte a refrescar o corpo que se deslocou à praia, pela manhã, em busca do sossego contido no marulhar das ondas; ir lendo algumas páginas do livro actual, adivinhar o que é o almoço, estender o olhar em busca da Berlenga enevoada, as notícias surgem sempre em primeiro plano e sem compreensão possível, para quem não é dotado da capacidade explicativa de tanta gente que vai debitando razões que a razão desconhece.

Está (re)aberto mais um conflito, com Israel a dizer que vai destruir a capacidade nuclear do Irão e este a invocar Deus para o ajudar a eliminar do mapa os israelitas, num jogo de mísseis e drones sem contemplações nem olhos.

Parece ser lá longe, mas a distância é pouco mais que um tirinho, quando uma parte de nós está lá, a fazer fronteira com um dos beligerantes.

Vai passar ... Quando e como?

quinta-feira, 12 de junho de 2025

Zé Povinho

Passam hoje 150 anos da primeira "notícia" que o Zé Povinho, nascido das mãos de Raphael Bordalo Pinheiro, produziu e publicou. Seguiram-se muitas outras, sempre em cima da actualidade e bem mordazes.

Se ainda por cá andasse, o "Zé" teria muito papagaio com que se entreter diariamente.

quarta-feira, 11 de junho de 2025

A Barraca

Não tenho pena de Maria do Céu Guerra, porque ela é uma guerreira e lutará, como sempre fez, contra os energúmenos que querem o regresso a um passado reles e de má memória.

A minha solidariedade com os actores d'A Barraca pouco vale, mas eu quero continuar a ir lá ver teatro de qualidade indiscutível e, sobretudo, com a liberdade criativa que é apanágio daquela casa há meio século.

terça-feira, 10 de junho de 2025

10 de Junho

Ao ouvir, hoje, o resumo dos discursos de Lídia Jorge e Marcelo Rebelo de Sousa, no âmbito das comemorações do 10 de Junho, lembrei-me de um estudo que a minha filha me ofereceu e sobre o qual falei aqui, já lá vão uns anitos.

O estudo indica que, como qualquer português, tenho raízes que vão da Ásia, passam pela África, viajam pela Europa e "aterram" aqui, neste "jardim à beira-mar plantado". 

Se, ao invés de nos preocuparmos com as origens, a cor, a religião de cada um dos que por cá habitamos, muitos em condições miseráveis e vergonhosas, procurássemos colaborar na integração de todos, sem preconceitos, ódios, invejas e aproveitamentos vis, talvez conseguíssemos um Portugal maior e mais feliz.

"Ou fazendo que, mais que a de Medusa,
 A vista vossa tema o monte Atlante,
Ou rompendo nos campos de Ampelusa
Os muros de Marrocos e Trudante.
A minha já estimada e leda Musa
Fico que em todo o mundo de vós cante,
De sorte que Alexandro em vós se veja,
Sem à dita de Aquiles ter inveja."

Os Lusíadas
Canto X (final)
Luís de Camões

segunda-feira, 9 de junho de 2025

Liga das Nações

Mais um dia grande para o futebol nacional, com a selecção principal a conquistar a Liga das Nações pela segunda vez, contra as perspectivas desenhadas pela crítica sabedora. E foi muito bonito de ver a capacidade de Nuno Mendes, numa equipa que procurou sempre, com "ganas", vencer "nuestros hermanos".

domingo, 8 de junho de 2025

Tempo ... de praia

(Re)começaram as conversas da praia, acompanhadas pela nortada "fozeira", acentuando as dificuldades de audição que vão aumentando à medida que o tempo percorre o caminho inexorável ... para o aparelhinho do Goucha.

A água, ao contrário do que acontecia há uns anos, está muito fria, o sol anda fraquinho, a camisola aconchega o tronco dos conversadores  presentes e não parece nada incomodada com isso. O banho fica para a próxima.

Ainda é cedo, que diabo. Nem sequer há banheiro ... Calma, que vai ser bom ... verão.

- E o vento, ai, o vento está bem pior que o ano passado.

Falou-se da inteligência artificial, da falta de sentido crítico, das eleições, dos apertões de Marcelo, de abortos e desmanchos, do que era e do que é, do que lá vai e do que estará para chegar, deste e daquele, disto e daquilo. Tudo tratado e nada resolvido, como sempre.

- Começou a chegar a "fauna" da tarde. Está na hora de a "Cacilda" ir tratar do almoço. Até amanhã ... se o tempo quiser!

sábado, 7 de junho de 2025

Palavras bonitas

No desvario
Do sonho me socorro
E nele percorro
O denso frio
Da distância,
Os delirantes lugares da demência,
A delicada fragância,
A seda e o brocado
Desenhando o fulgor e a fluorescência
Do teu corpo semeado
De azul e maresia ...
Meu castelo de vento,
Meu portento, Meu mar sulcado
E para sempre arado
De louca fantasia! ...

Pequena elegia em busca de Moad
Lino Sebastião
cordel d' prata (2025)

sexta-feira, 6 de junho de 2025

Paz e lirismo

E se, de repente, começasse a surgir alguma coisa com nexo daquela cabecinha amarelada que comanda os destinos americanos, gritaríamos todos:

- Milagre!

Desenganem-se. Não vai acontecer, por muito desejável que seja e muitas rezas ocorram. Continuaremos a ouvir muitas "bacoradas" e um sem número de alarvidades que trazem à memória a frase do antigo seleccionador nacional de futebol Luiz Filipe Scolari:

- E o burro, sou eu?

A guerra, que tinha o destino traçado, terminaria mal ele sentasse os glúteos no sofá da Sala Oval e nunca teria começado se ele se tivesse mantido como chefe da nação naquele acto eleitoral tão festejado no Capitólio, afinal continua, agravada, e sem fim à vista. A faixa de Gaza está quase em condições de serem iniciadas as obras do resort de luxo, faltando apenas acabar com os palestinianos.

Entretanto, o cavalheiro holandês que apelidou os portugueses de gastadores e boémios, pede encarecidamente que todos os países aumentem a sua contribuição para a NATO e, ao que tudo indica, o nosso já está a escarafunchar no mealheiro para lhe fazer a vontade.

Como toda a gente sabe e a história confirma, a solução é aumentar o esforço militar e deixar que essa coisa da paz se mantenha como uma miragem dos líricos.

segunda-feira, 2 de junho de 2025

Livros (lidos ou em vias disso)

Biblioteca acima das possibilidades de leitura

Uma biblioteca cheia de livros que não foram lidos - sabendo que muitos deles nunca o serão - é uma biblioteca enorme, porque contém em si a semente da possibilidade. É imensa porque inclui desejo. Quem a criou tinha um desejo acima das suas possibilidades, e isso define o leitor: a sua ambição. Nunca concretizaremos plenamente os nossos desejos, mas o tamanho da biblioteca pode evidenciar o tamanho da ambição e, por reflexo, o tamanho do leitor. Um leitor tímido terá um ou dois livros por ler, um leitor ambicioso terá logicamente mais. Em japonês, existe uma palavra para a pilha de livros por ler: tsundoku.

Seria expectável que um grande leitor fosse aquele com menos livros por ler na sua biblioteca, pois leu muitíssimo, mas não é isso que acontece: o melhor leitor tem sempre cada vez mais livros por ler. Quanto mais lê, mais essa lista aumenta.

Children's afternoon at Wargemont, 1884 - PIERRE AUGUSTE RENOIR
O vício dos livros II
Afonso Cruz
Companhia das Letras (2025)