sexta-feira, 23 de julho de 2021

Impressão ... digital

Em meados dos anos setenta do século passado, a actividade bancária e as pessoas que dela usufruíam não tinham nada a ver com a realidade de hoje. O dinheiro real circulava de mão em mão, uns com muito outros com pouco, como sempre. O cheque dava os primeiros passos para a universalização e era um meio de pagamento quase só usado pelas empresas, para efectuarem parte das suas liquidações, nomeadamente a fornecedores de outras bandas. O crédito em conta dos ordenados viria muito mais tarde e demorou bastante tempo a ser utilizado por toda a gente. Os funcionários públicos recebiam os seus vencimentos, em dinheiro vivo, nos respectivos serviços ou nas tesourarias de finanças.

Na Praça da República existiam apenas três agências bancárias (hoje parece que regredimos e voltaram, por enquanto, a existir de novo três): a do Banco de Portugal, que não estava aberta ao público e servia quase só para alimentar de dinheiro as instituições que dele careciam ou para receber em depósito o excesso de tesouraria de alguma; a Caixa Geral de Depósitos, virada para a poupança particular e para o crédito às entidades públicas, às grandes empresas e ao crédito bonificado à habitação, que dava os primeiros passos; e ainda o Banco Português do Atlântico, dedicado fundamentalmente às empresas, pequenas e médias e ao pequeno comércio. Havia mais três agências, noutros locais da cidade, e dois ou três correspondentes bancários, que quase só serviam de "caixa de correio" das letras que vinham à cobrança.

José, assim chamado para poupar no espaço, tinha vendido uns eucaliptos e o comprador passara-lhe um cheque para o respectivo pagamento. Indagou onde poderia transformar aquele papel em notas úteis e lá foi até ao BPA.

- Assine aqui.

Não sabia uma letra do tamanho de um comboio e, envergonhado, confessou-o.

- Não há problema. Tiramos-lhe a impressão digital.

Veio a caixa de madeira, com tampo de pedra, foi colocada a tinta, preta, alisada como rolo de borracha.

- Dê cá o dedo.

Rodou-se da esquerda para a direita e a "fotografia" do indicador direito foi colocada no verso daquele papel que, por estranho que parecesse, valia três contos de réis. O empregado anotou, na frente do cheque e em tamanho grande, o número da chapa que lhe atribuiu.

- Agora vá ali à caixa.

José subiu a Praça, entrou na Caixa, sentou-se e aguardou. Demora tanto! Se calhar estão a fazer as notas, pensou. Um dos empregados estranhou a presença daquele homem, ali sentado há tanto tempo. 

- Está à espera de alguém?

- Não. Estou a aguardar que me chamem para receber, respondeu, exibindo a chapa do BPA.

Desfez-se o equívoco, José desceu a Praça e entrou de novo na agência do Atlântico.

- Em vez de vir receber, foi passear?

- O seu colega mandou-me ir à caixa e eu fui ... lá acima.

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