quinta-feira, 22 de julho de 2021

Sonhos

Uma noite destas, em que o sono tardou a chegar ou já ia a fugir, o Carlinhos veio visitar-me. Queria conversa e não parecia particularmente bem disposto.

- Estou chateado contigo!

- Bolas, que mal te fiz eu? Porto-me sempre tão bem, que às vezes até me estranho.

- Pois, mas não não cumpres o que prometes e isso é muito feio.

Não percebi o remoque, mas eram visíveis as "trombas". Esperei, calmamente, que surgisse mais alguma palavra que clarificasse o assunto que o toldava. Não tardou muito ...

- Autorizei-te, e desafiei-te, a utilizares o meu nome e as minhas "estórias" e esperava que cumprisses essa missão com mais assiduidade. Ainda só vi dois textos e isso magoou-me muito. É pouco para uma pessoa tão famosa e vivida como eu sou, e que tem tanto para contar e ser dado a saber ao mundo.

Embatuquei. Era verdade e a verdade, por vezes, é muito difícil de aceitar e mais ainda de justificar. 

- Tu sabes bem que nunca me esqueço de ti, mas surgem outros temas, a oportunidade passa ou é adiada para "manhã". As tuas "estórias" têm de ser cuidadosamente contadas.

- Quero o acordo cancelado. Pretendo estar na ribalta, ser "primeira página", ter destaque, ser comentado. Se não podes ou não queres dar-me isso, vou procurar outro ou outros que estejam disponíveis. Quero estar na primeira fila, sempre. Acho que mereço mais do que muita "estrela" que por aí circula nas redes e se pavoneia nos jornais.

Convencido, pensei para mim. Devia voltar-lhe as costas ou mandá-lo àquela parte. Era o que merecia.

- A decisão é tua. Para compromissos desses, comigo não contas. Não gosto de ser condicionado por ninguém. Queres restringir a minha liberdade e obrigar-me a ser teu escriba, e eu não estou para isso.

Ficou pensativo e abismado. Não estava à espera e o ego sentiu-se. "Enfiou-se".

- E digo-te mais: conheço muitas "estórias" tuas mas, como bem sabes, uma grande parte não merece nem pode ser publicada. A linguagem e as actividades não são compatíveis com a divulgação pública. Às vezes até a restrita é difícil e é preciso escolher os ouvintes. Acresce que o vernáculo e os comentários jocosos sobre tudo, das religiões à política, não se ajustam a um sítio que se pretende preze a moral e os bons costumes, e mantenha a bitola com algum nível. Há quem diga que, quando a conversa desce de nível, sobe de interesse, mas eu não estou para aí virado.

- Ora, ora! Deixa-te desses pruridos infantis. Nem pareces deste tempo. A língua quer-se desabrida e sem peias, tipo bronco, bué da fixe. Não querem lá ver o cota ... 

Acordei. 

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