quarta-feira, 28 de julho de 2021

Memória

Não havia ninguém ao balcão e o tempo que mediava até chegar o próximo cliente era aproveitado para, na secretária, ir adiantando as contabilizações, os registos, as tarefas necessárias ao encerramento do dia que, naqueles tempos, era bem demorado e trabalhoso.

O casal aproximou-se do balcão, de braço dado e, mal levantei os olhos, tive a certeza de conhecer o homem, ainda que as dúvidas me assaltassem face à companhia. O atendimento esclareceu tudo.

- Venho pagar a prestação do nosso empréstimo e ... estou a conhecê-lo. Andou na escola das Caldas?

- Andei, sim, já há uns anitos ...

O aviso de pagamento já tinha confirmado o nome.

- Fui teu professor, não fui?, perguntou com um largo sorriso. 

- Foi sim ...

- Já não sou Padre. Agora dou aulas no Liceu Camões.

Ainda bem que esclareceu a dúvida que me tinha feito titubear na conversa. A partir daí, atendi-o sempre que lá se deslocava. Enquanto por lá estive, nunca quis ser atendido por outro, mesmo que isso implicasse algum tempo de espera. As conversas caíam invariavelmente nas recordações de ambos, mas a contabilização era sempre a favor dele.

O chefe, por vezes, arranjava forma de interromper, com medo que o trabalho "azedasse".

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