terça-feira, 13 de julho de 2021

Objectividade

O exame corria às mil maravilhas e o examinador estava perplexo com a qualidade evidenciada pelo candidato. A prova do Código da Estrada tinha sido irrepreensível, sem uma única falha - 20 Valores. Quer nos sinais quer nas regras, o Carlinhos tinha demonstrado dominar toda a matéria, ultrapassando sem qualquer dificuldade as perguntas armadilhadas que a prova continha.

Convém dizer que, na carteira do Carlinhos já estava arrumada, há três anos, a carta de ligeiros, tirada com a emancipação paterna, aos 18 anos. Agora era o passo para profissional a sério. Obter a carta de pesados e de serviço público de autocarros era um objectivo que, alcançado, alteraria a sua vida de forma drástica e permitir-lhe-ia escolher entre conduzir camiões por essa Europa fora ou então autocarros, quiçá de luxo. Qualquer uma das hipóteses abriria novos horizontes, outros países, outras gentes, tudo o que lhe balançava na cabeça há muito tempo.

As provas de condução, mesmo quando guiou o camião com reboque, não podiam ter corrido melhor. Carlinhos era um condutor exímio, ponderado, cauteloso, seguro. Tinha deixado o engenheiro examinador de boca aberta e completamente rendido à destreza do jovem.

Faltava apenas a mecânica. Depois de ouvir explicação pormenorizada sobre o funcionamento dos motores, da cambota ao pistão, dos radiadores e injectores, da bomba de água e dos travões, da embraiagem à combustão, o examinador informou o candidato que o exame tinha terminado e que a sua aprovação seria por distinção, se isso estivesse previsto. No entanto e apenas por curiosidade, gostava de ouvir a explicação que ele daria para o funcionamento da caixa de velocidades. Que ficasse claro que isso não contava para a apreciação final, já efectuada, como lhe tinha acabado de dizer.

- Ó senhor engenheiro, não é fácil!

- Eu sei, mas tente. Não precisa de linguagem muito técnica. Seja objectivo, como foi no exame.

- Aí vai: uma mão cheia de carretos, que andam lá numa velocidade do caraças, se um gajo põe lá um dedo, lixa-se, fica sem ele! 

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