- Marlene da Silva, a melhor do mundo a andar de mota. Daqui a cinco minutos! Venham ver!
Os espectadores adquiriam o bilhete, subiam a escada e arrumavam-se no varandim, bem lá no alto e o mais perto possível da grade de protecção. No fundo do poço, a mota, caída, aguardava a entrada da estrela mundial do equilíbrio em velocidade, que haveria de pôr todos de boca aberta com as suas acrobacias.
O altifalante, meio roufenho, continuava o anúncio vibrante para despertar a vontade dos passeantes.
- Arrojo, audácia, desprezo pela vida. Compre o seu bilhete. O espectáculo começa dentro de instantes.
No fundo do poço já estava um homem junto da mota. Levanta-a, dá ao pedal, o barulho e o fumo sobem pelas paredes de madeira, chegam ao varandim e assustam toda a gente. Com a mota a trabalhar, entra a estrela, com pose de diva, sai o anónimo, cabisbaixo e meio escondido. Marlene agradece os aplausos que recebe de toda a alta plateia, sacode os longos cabelos, faz vénias em todos os sentidos, acelera a máquina sem sair do sítio. Os altifalantes, cada vez mais roufenhos, anunciam:
- Vai começar. Quem comprou, vai ver. Quem se atrasou, espere pela próxima actuação, daqui a duas horas. Mas é melhor comprar já, antes que esgote.
E começa o espectáculo, primeiro devagar, depois a velocidade vertiginosa, sempre à roda, cabelos ao vento, a mota bem apertada pelas pernas, os braços firmes no guiador. Piruetas, saltos, idas abaixo e acima.
- Arrojo, audácia, desprezo pela vida. Cuidado, Marlene! Foi assim que seu pai morreu!
A mota quase bate nos espectadores, vai mesmo até ao final da parede, a emoção toma conta de todos. A aceleração é tremenda. O barulho ensurdecedor. O fumo engasga os mais ousados. Diminui o barulho, o punho deixa de acelerar, a velocidade baixa, a força centrífuga já não produz nenhum efeito, o espectáculo termina.
A Marlene sobreviveu. E o circo, conseguirá?
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