terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Inventário

Baixinho, poucos cabelos e brancos debaixo do boné, engravatado a azul claro sobre camisa de terylene branca, fardado de azul escuro, a calça com uma "risca" de cetim de alto a baixo e o casaco com botões dourados, sempre cintilantes. Era o caixa da Banda.

Transfigurava-se. Não sabia uma letra do tamanho de um comboio, como respondia sempre que o questionavam sobre saber ler, mas dominava completamente as pautas de música. Era ele quem o maestro incumbia de suprir as falhas e as desatenções do colega do bombo, que não entendia a diferença entre uma semicolcheia e uma semibreve e dava a pancada mais forte quase sempre atrasada. Nas arruadas, era o único que tocava sempre, mesmo quando a banda se calava. Marcava o compasso da marcha, com as duas baquetas a rufar e fazia com que todos os músicos marchassem certinhos, sem necessidade de regência.

Durante a semana de trabalho era o fiel do celeiro. Cabia-lhe, também, manter a entrada da quinta livre das folhas dos plátanos ou de quaisquer outros lixos, não fosse chegar alguém importante e o saibro não estar um brinquinho para ser pisado. Tratava do Bob, um boxer meigo que o acompanhava quando não dormitava, deitado à sombra, sempre com um olho meio aberto e atento a tudo o que se passava à sua volta.

- Ainda temos muita aveia?

- Quase seiscentos quilos. Encetei hoje uma saca e estão ali mais onze.

Sem máquina de calcular ou papel e lápis, era na cabeça que tinha o inventário, sempre actualizado.

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