quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Sinónimos

A tasca era o centro de convívio, exclusivamente para homens, e na qual as mulheres só entravam, excepcionalmente, quando já noite fora e por força dos copos entornados, os maridos não conseguiam ter trambelhos para voltar ao ninho.

Todas tinham aspecto mais ou menos parecido, com duas ou três mesas no interior, entre a parede de fora e o balcão, comprido, que ocupava sempre toda a largura da loja. A entrada de quem trabalhava fazia-se por uma pequena "porta", sempre lá ao fundo, meia disfarçada que quase se não dava por ela.

Atrás do balcão, para além do taberneiro, que a todos servia, solícito mas sem grandes conversas, estavam as pipas, a grande ao meio e, em escada, mais três ou quatro de cada lado. O tonel maior era mais motivo decorativo do que utilitário. O vinho distribuía-se pelos mais pequenos e nem todos eram utilizados. A pipa grande ostentava, pendurado, um azulejo com bordadura "bordaliana" que, ao centro, tinha uma inscrição, em bonitas letras pretas:

"O que está não fia! O que fia não está!"

Quando passava, o Carlinhos mirava com toda a atenção o que se passava no interior da tasca. E o que via: o taberneiro numa roda viva a servir copos cheios de vinho tinto, que os homens, sôfregos, despejavam pela garganta abaixo. Nas mesas jogavam-se cartas e dominó, discutia-se muito, faziam-se silêncios, bebia-se de novo, voltava-se à discussão.

O azulejo intrigava. "O que está não fia?". Mas não se via por ali nenhum tecido, muito menos um tear. E aquilo confundia-o e perturbava-o o desconhecimento. Imaginava fundos falsos, gavetas enormes, talvez até algum sótão escondido. Um dia espreitou e, sorte, o taberneiro estava só. Entrou, cheio de coragem.

- Bom dia, Sr. António.

- Bom dia, Carlinhos. Olha que isto ainda não é para a tua idade. 

- Eu sei e não quero vinho nenhum. Só queria que me explicasse como se fia aqui, se não vejo nem tecido nem tear? 

A gargalhada foi imediata e exuberante. Exasperou-se o Carlinhos, ansioso pela resposta.

- Este "fia" não é do "fiar" que tu conheces. Também se diz quando alguém quer comprar qualquer coisa e não tem dinheiro para pagar. Pede fiado, comprometendo-se a pagar mais tarde.

- ???

- Ora eu não tenho dinheiro que me permita esperar pelo pagamento que, em alguns casos, não chega a aparecer. Tenho de receber logo, para poder pagar a quem me vende o vinho. Daí o aviso. 

- Percebi e aprendi hoje, na taberna, que uma palavra tem, muitas vezes, mais do que um significado. Obrigado, Sr. António. Vou ler mais! 

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