quarta-feira, 30 de março de 2022

Livros (lidos ou em vias disso)

Acabei de ler o diário que Gonçalo M. Tavares escreveu, de 23 de Março de 2020 a 20 de Junho do mesmo ano, com entradas diárias sobre a pandemia que assolou o mundo e que, nesta altura, estará em hibernação, porque outros valores mais altos se alevantam. Para além da qualidade, há muito reconhecida, da escrita do autor, é um documento que perdurará para o futuro e para a história.

"20 de Junho de 2020
Diante do acontecimento, ficar atento e em pé

Dia de solstício. O Verão começou este sábado às 22H44.
Dia e biologia cronometrados com este falso rigor.
Podemos falar assim da partida de um foguetão da NASA, mas não das coisas vivas.
Noventa dias, hoje. Diário da Peste, fim.
2020, ano suspenso, nuvem. Nem cai nem sobe.
Ritmo destes diários, corrente eléctrica debaixo do texto.
Por vezes de manhã, outras à noite: uma excitação diante da notícia: notícia como curto-circuito.
Energia primeiro fechada em casa. Mas, se a energia não sai em texto, essa energia torna fraco e demente quem a tem.
Necessidade absoluta, diário.
Diante do acontecimento, ficar atento e em pé.
Força contra o muito mais forte.
Ou estás presente nos dias fortes ou foges. Ou de boca aberta fazes um ohh como som, resposta e pasmo.
Diário da Peste como companheiro nos dias duros e nos dias feitos para ver. Necessidade e tensão.
E tentativa de documento para que a memória bamba deixe um vestígio mais claro.
(...)
Não vai apenas haver um depois disto, mas um grande depois.
Um trágico, leve, pesado, terrível, efusivo, faminto, debochado, perverso, egoísta, incerto, tremido, assustador: um depois que será tudo isto e mais.
Um depois ambíguo, brutal e alegre.

Diário da Peste
Gonçalo M. Tavares

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