segunda-feira, 7 de março de 2022

Marquesinhas

O casal não era longe, talvez dois ou três quilómetros que, na época, se faziam com pouco mais de três corridas, dois saltos e "uma perna às costas".

- Vão pela bordinha, por causa dos carros.

A recomendação era desnecessária, mas sempre feita. Ao tempo, naquela estrada, aparecia um carro quando "o rei fazia anos", a uma velocidade tão estonteante que se via "à légua". A missão era levar qualquer coisa aos avós, servia para as crianças se distraírem e "desampararem a loja" por um bocado.

A casa, térrea, tinha um grande quintal, uma eira, e ficava no topo de uma fazenda que se estendia até ao rio. Havia sempre, na pocilga, pelo menos dois porcos, por vezes acompanhados de bacorinhos nascidos recentemente e que se deleitavam nas tetas da mãe porca, deitada para facilitar a tarefa. À esquerda de quem entrava ficava a adega, com duas pipas enormes e meia dúzia de outras, mais pequenas, para além do pequeno lagar onde se pisavam as uvas e se fazia o vinho para garantir o consumo da casa e dos que lá iam trabalhar. A seguir, separado por uma "parede" de madeira e caniços, um estábulo amplo, limpo e arrumado. Era aí que "morava" a vaca leiteira, preta e branca, acompanhada, à noite, de dois bois de trabalho, de pele amarela e cornos bem grandes. A burra tinha um estábulo individual, longe dos outros animais. Pelo quintal, à vontade, passeavam galinhas, galos, coquichos, perus e patos, sem preocupação alguma com a presença humana, debicando tudo o que mexia e o que não o fazia.

Na fazenda havia muitas árvores de fruto, mas estava longe de ser um pomar. Duas figueiras, várias pereiras, cada uma de sua variedade, macieiras, ameixieiras e outras que a memória já não desenterra. E no meio destas árvores todas, semeava-se o milho, plantavam-se as couves, as favas e as ervilhas, algumas batatas. No cômoro que delimitava a propriedade, os loureiros, vários, garantiam a existência das folhas tão úteis na culinária. Existia, ainda, uma boa dúzia de cepas de uva de mesa, moscatel. Davam cachos enormes e de sabor delicioso. As vinhas que garantiam a produção vinícola eram em outras duas fazendas, afastadas e situadas a norte do casal.

A única pereira marquesinha que existia dava pouco, mas as peras eram soberbas.

- No saquinho vão quatro peras marquesinhas, uma para cada um. Este ano deu muito pouco ...

Eram horas de regressar, que o sol já se encaminhava para o mar.

- Vou comer a minha!

Estava madurinha e, com meia dúzia de dentadas, desapareceu.

- O pai nunca quer. Vou comer a dele.

A mão mergulhou no saco e, apesar da resistência, a segunda saiu e os dentes deram-lhe o tratamento devido.

 - A mãe também nunca quer ...

E marchou a terceira. Restava uma.

- Nem penses. Esta é para mim e só a vou comer quando chegarmos a casa, depois de a mostrar à mãe e de lhe contar o que fizeste.

As peras marquesinhas estão em extinção. Na praça, na época, ainda aparece uma vendedora com algumas, não muitas. Tem sempre cliente garantido.

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