Como já por aqui ficou mais ou menos expresso, gosto muito de melros. Devem ter sido dos primeiros pássaros de que aprendi o nome, e a reconhecer pela aparência e pelo seu canto variado e sonoro. No tempo em que se ia aos ninhos - nos dias de hoje, frase sacrílega e socialmente inaceitável - os de melro eram dos mais difíceis de encontrar e raramente se conseguia detectá-los com crias. Passe a imodéstia da mistura, Miguel Torga refere-se a eles bastas vezes na sua obra e, em particular, em A Vindima.
Hoje, os melros invadiram as cidades, os parques, as ruas, os jardins, as habitações, numa convivência sem sustos, quase sugerindo que sempre por aqui habitaram e comportando-se como verdadeiros conhecedores do terreno.
Talvez por isso, aparecem com frequência alguns "melros" de duas pernas, que espalham a sua "esperteza" fazendo-nos de parvos a cada momento. Nestes, também o canto é sonoro, variado, muitas vezes estridente. Voam alto, protegem-se bem, compram disfarces e companhias, raramente se lhes vê o "ninho".
E não se pode exterminá-los? Pode, mas é necessário provar, em várias instâncias, que os "cabritos" não caíram do céu nem nasceram por geração espontânea. E isso é muito mais difícil do que detectar um ninho de melro verdadeiro.
Dos verdadeiros, eu quero que se continuem a deliciar (e a deliciar-me) no jardim, ainda que isso implique partilhar ginjas, morangos e mirtilos antes mesmo de amadurecerem.
Quanto aos "passarões", gostava de os presentear com uma gaiola grande, onde poderiam conviver todos , em festa contínua, sem champagne nem caviar.
2 comentários:
Coitados dos melros! Até os pões a "ranger os dentes", comparando as suas delicadas patinhas com "pegadas" de "passarões".
O melro, eu conheci-o:
Era negro, vibrante, luzidio,
Madrugador, jovial;
Logo de manhã cedo
Começava a soltar, dentre o arvoredo,
Verdadeiras risadas de cristal.
E assim que o padre-cura abria a porta
Que dá para o passal,
Repicando umas finas ironias,
O melro; dentre a horta,
Dizia-lhe: "Bons dias!"
E o velho padre-cura
não gostava daquelas cortesias.
Assim começava o poema de Guerra Junqueiro. Melros sempre os houve...
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