segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Palavras bonitas ...

 NÓS

Foi quando em dois Verões, seguidamente, a Febre 
E a Cólera também andaram na cidade,
Que esta população, com um terror de lebre,
Fugiu da capital como da tempestade.

Ora, meu pai, depois das nossas vidas salvas,
(Até então nós só tivéramos sarampo)
Tanto nos viu crescer entre uns montões de malvas
Que ele ganhou por isso um grande amor ao campo!

Se acaso o conta, ainda a fronte se lhe enruga:
O que se ouvia sempre era o dobrar dos sinos;
Mesmo no nosso prédio, os outros inquilinos
Morreram todos. Nós salvámo-nos na fuga.

Na parte mercantil, foco da epidemia,
Um pânico! Nem um navio entrava a barra,
A alfândega parou, nenhuma loja abria,
E os turbulentos cais cessaram a algazarra.

Pela manhã, em vez dos trens dos baptizados,
Rodavam sem cessar as seges dos enterros.
Que triste a sucessão dos armazéns fechados!
Como um domingo inglês na "city", que desterros!
(...)
Cesário Verde
O Livro de Cesário Verde
Editorial Minerva

PS - Cesário Verde nasceu em 1855 e morreu em 1886

1 comentário:

Anónimo disse...

Que belo poema a retratar, também, a realidade dos nossos tempos.