quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Realeza

Lá do alto o horizonte não tinha limites. O rio corria mansamente no vale, as flores brancas da esteva mesclavam o verde das encostas, um ou outro castanheiro mostrava a sua classe e o seu esplendor, meia dúzia de pinheiros, mansos, também se destacavam e ofereciam sombra nos dias de calor tórrido, as hortas eram tratadas com esmero por aqueles que dependiam delas para a sua mesa, a água cuidava da frescura e do sabor das couves, dos nabos, do feijão, das abóboras, das alfaces, dos tomates, dos pimentos, poucos, que são arredios na produção. Os repolhos, quando deles chegava o tempo, eram reis da horta mas a couve-flor, para os poucos que nela se aventuravam, era ainda mais rica.

Os apicultores colocavam as suas colmeias nos, poucos, socalcos que o monte lhes oferecia. A experiência tinha-lhes ensinado que não deviam ser colocadas nem no sopé nem no cume. Como em quase tudo, no meio reside a virtude e os socalcos garantiam a protecção necessária às inclemências do tempo e ao vandalismo humano.

Entre todas as obreiras que laboravam nos enxames, uma se destacava pela capacidade de trabalho, pela velocidade de voo e, sobretudo, por ser sempre a primeira a chegar ao pólen de cada flor. Via longe e essa era a sua grande vantagem. As outras, também obreiras de condição, vaticinavam-lhe um futuro brilhante, quiçá até a possibilidade de, um dia, substituir a rainha da colmeia.

A abelha rezingava sempre que disso lhe falavam. Conhecia bem as suas limitações e impossibilidades.

Não é rainha quem quer mas sim quem nasceu rainha.

1 comentário:

Anónimo disse...

Gostei! Dissertação alusiva à tão nobre Natureza, realmente, principesca! Própria de quem sabe "da horta".