quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Bancos

A sala era enorme, verde, com portas brancas, de madeira, com vidro aos quadrados no centro. O chão estava coberto por vários tapetes de Arraiolos, com desenhos diferentes, dificultando a escolha do mais bonito. Uma lareira, acesa desde manhã bem cedo até à noite velha, garantia um ambiente acolhedor e sedutor. Por cima, na parede do fumeiro, um retrato a óleo da senhora, bem na altura dos olhos de quem entrava. Impunha respeito pelo tamanho e pela beleza. Os olhos azuis, do retrato e da dona, eram vivos e olhavam-nos de todo o lado, parecendo controlar tudo.

Entrar na sala implicava uma série de cuidados e exigia recato e reverência, aumentada ao extremo quando a senhora, ela própria, estava presente.

- Vossa Excelência dá-me licença, Senhora Dona M.T.?

- Entra, entra.

- Muito bom dia, minha senhora. Como está?

- Bem. O senhor foi ali. Espera um pouco que não demora.

Encostado, constrangido, envergonhado, sem saber onde colocar as mãos, o tempo de espera, uma eternidade. Olhadela rápida a tentar ler o título do livro, outra a apreciar o fumo do cigarro, seguro nas mãos cobertas por luvas de pelica, pretas, quase até ao cotovelo. A música tocava baixinho. Televisão, havia, mas não naquela sala. Ali era o sossego, o descanso, o relaxe, a conversa com as visitas, o local para as ordens, o salão nobre onde só se entrava, chamado.

Chegou, finalmente.

- Mandei chamar-te porque quero que vás ao banco e me tragas "xis". Não me apetece sair, com este frio. Aqui tens o cheque.

Ordem dada, missão a cumprir com brevidade. O cheque era ao portador e estava assinado no verso pelo senhor, tal como seria se fosse ele mesmo ao banco. O caixa, de pé e sempre a conversar, curioso por saber como estava o senhor e porque não tinha vindo, puxou do maço das notas e entregou-o.

- Não te esqueças de lhe apresentar os meus cumprimentos.

O Multibanco chegaria muitos anos depois, em 1985. Por essa altura, o caixa já só contava histórias no outro mundo e o banco, ainda no mesmo sítio, tinha mudado de nome.

Hoje, o banco já não existe. Resta o edifício, que é uma loja de roupa e pouco dinheiro vivo terá.

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