sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Graça

Adorava contar estórias. E contava-as com humor, fazendo rir todos quantos o ouviam, mesmo quando a graça das ditas era pouca ou nenhuma. A sua eloquência, a postura teatral, o gesticular constante e adequado, tornavam a anedota mais boçal num discurso de prender atenções, como se dele dependesse o futuro do mundo.

Invejava-o, mesmo sabendo que a inveja é um pecado mortal. Aquilo que se podia contar em um/dois minutos, estendia-se, demorando, divagando, pormenorizando, acrescentando, misturando, de tal forma que, mesmo ouvida pela enésima vez, a estória surgia sempre nova.

Formou-se em Direito, deixou o Banco, nunca mais o vi, perdi-lhe o rasto, ao tempo ainda não tinham chegado os facilitadores telemóveis. Voltou à sua Braga natal e por lá deverá continuar a contar estórias, divagando na defesa ou na acusação, convencendo os juízes da sua razão e da dos seus constituintes.

Continuo a ouvir (e a contar) anedotas, adoçando a estória, dando voltas palavrosas e intermináveis, pintando cenários, acrescentando figuras ... mas falta sempre algo.

Há coisas que não se aprendem nem se estudam, nascem.

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