domingo, 4 de dezembro de 2022

As habitações e o tempo

Habitava num pequeno anexo da moradia do padre N., que, estou convicto, lho cedia gratuitamente. Não tinha emprego fixo. Vivia de "bico", fazendo pequenos trabalhos para quem necessitasse, os quais lhe iam garantindo a subsistência. Nos intervalos desse afã, bebia. E muito! 

A fala estava sempre entaramelada, mesmo quando ainda não tinham sido bebidos copos que o justificassem. Teria cinquenta anos, talvez um pouco mais. Magro, quase escanzelado, por ali andava comentando o que via ou ouvia, quase sempre para si próprio, raramente se dirigindo a alguém que não ele.

A construção da casa tinha começado há pouco tempo e, naquele dia do enchimento da primeira placa, a azáfama era muita e a paciência pouca. Assistiu a todos os trabalhos e, enquanto eles decorreram, não bebeu. Parecia muito interessado no que estava a acontecer e a curiosidade (ou seria a cusquice?) levava-o a percorrer toda a obra, sem dizer uma palavra. Até que ...

- Para que queres tu uma casa tão grande?

A resposta deve ter revelado algum enfado e ele não tornou a dirigir a palavra a ninguém até à noite. Porém, não deixou de por ali permanecer sempre atento e "momando" a sua opinião sobre a forma como se trabalhava.

Passados quase cinquenta anos, vem a confirmação: a casa é enorme! E o ditado mantém plena actualidade; "o beberrão diz o que lhe vai no coração". 

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