sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Tempo e paciência

Na actividade profissional que desenvolvi durante muitos (e alguns) bons anos e da qual já só recordo as coisas boas, constatei, bem cedo, que o Direito tem linguagem própria, tempo único, urgência calma e sempre, pelo menos, duas interpretações para o mesmo acontecimento.

Seja a Lei que tem uma vírgula a mais ou a menos, seja a interpretação literal do que está escrito ou aquilo que é o seu espírito, há sempre possibilidades de recurso à leitura que mais convém à "dama" que é a nossa, com argumentação poderosa e convincente, mesmo que os factos aparentem ser tão evidentes que ao leigo pareçam não ter contestação. 

Aprendi, também bem cedo, que a Matemática era a ciência exacta, não havendo dúvidas para ninguém de que dois e dois são quatro. Todavia, um acontecimento desta semana veio provar que até aí pode haver duas interpretações e que ambas estarão correctas e poderão ser defensáveis.

Não por ter dado milho aos pombos mas por, alegadamente, ter recebido uns "trocos" indevidamente, Manuel Pinho, antigo Ministro de José Sócrates, está em prisão domiciliária há um ano, a aguardar que o Ministério Público produzisse, formalmente, a acusação, para a qual tinha o prazo de um ano. Para o Ministério Público, o prazo de um ano foi cumprido e a acusação entregue na data legalmente exigida. A defesa alega que o ano tinha acabado um dia antes e que, por isso, o arguido deve ser libertado.

A discórdia, como é fácil de perceber, encontra-se num dia a mais ou a menos, na contagem dos dias do ano, contagem extremamente difícil e que deverá ser aclarada por um orgão de decisão superior e que, como o sargento da companhia de antigamente, saiba contar bem. Após ser decidido o pleito, ocorrerá, naturalmente, um prazo para apresentação do conveniente e convincente recurso, para que outro orgão ainda mais superior decida, sempre analisando a argumentação de peso e a clarividência das razões que suportam mais uma interpretação.

Não há pachorra!

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