sábado, 17 de dezembro de 2022

Natal

O Natal está quase a chegar, sem contemplações para todos aqueles que prefeririam um pouco mais de demora nesta corrida desenfreada que os dias empreendem, sem se vislumbrar qualquer ideia de abrandarem a velocidade. 

Não há radares que os assustem nem pontos na carta que os façam "levantar o pé". A velocidade vertiginosa a que circulam impede que se possa apreciar a paisagem ou dar dois dedos de conversa séria. Tudo é rápido e efémero. Mal se sai das comemorações da entrada no novo ano, aparece o Carnaval, comem-se umas amêndoas na Páscoa, tomam-se uns banhos no titubeante Verão, começa a cair a folha e eis-nos, de novo, a pensar nas prendas, na reunião de família, nos males do mundo, nos que padecem e nesta altura aparecem na boca de muitos distraídos pela vertigem.

A partir de amanhã e até ao Natal, "cessa tudo quanto a antiga musa canta, que outro valor mais alto se alevanta", como escreveu Camões. A Poesia é esse valor que por aqui se irá levantar até que as filhós (ou filhoses?) desapareçam, as rabanadas sejam deglutidas e os sonhos sejam saboreados e se mantenham vivos. 

NATAL

Devia ser neve humana
A que caía no mundo
Nessa noite de amargura
Que se foi fazendo doce ...
Um frio que nos pedia
Calor irmão, nem que fosse
De bichos de estrabaria.

Miguel Torga
Diário IV
Gráfica de Coimbra (1973)

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