segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Livros (lidos ou em vias disso)

A adesão ao Clube Tinta da China, efectuada no seu início e no começo do ano que está, agora, prestes a terminar, tem-se revelado uma óptima decisão e tem trazido, mensalmente, um livro novo. Todos se têm revelado muito bons e diferentes, com alguns autores que não conhecia nem de nome, e temas diversos e interessantes.

Este último, chegado na passada semana e cuja leitura ainda não está concluída, versa a vida de Alexandre Yersin, cientista que descobriu o bacilo da peste negra. É uma viagem romanceada sobre a ciência e o mundo nos finais do século XIX, início do século XX, demonstrando, se necessário fosse, que "quanto mais sei, maior é a minha ignorância".

"(...) A chegada de Calmette a Saigão surpreende Yersin. Os dois homens vêem-se pela primeira vez. Foi Roux, a partir de Paris, e a conselho de Pasteur, que organizou o encontro.

Os dois homens nasceram no mesmo ano, mas os seus trajectos foram opostos. Depois de estudar Medicina na Escola de Saúde Naval, em Brest, Albert Calmette foi incorporado na campanha da China do almirante Courbet, na qual também participou Pierre Loti. Médico da marinha, passou uma temporada em Hong Kong, seis meses no Gabão, onde encontrou Brazza, mais dois anos na Terra Nova, de onde seguiu para Saint-Pierre-et-Miquelon. Concluiu há pouco o curso sobre micróbios do Instituto Pasteur, cujos responsáveis o enviam para a Cochinchina. É o caloiro dos pasteurianos.

Yersin aceita o convite para o encontro por um misto de cortesia e curiosidade. O outro representa a sua antiga vida. Como uma passagem de testemunho entre a navegação e a pesquisa científica. Quando Calmette entrou nos serviços de saúde da marinha, com 20 anos, Yersin estava em Marburgo e ainda não vira o mar. Neste momento, é ele o marinheiro. Há um ano que viaja de cá para lá no Volga. Os dois homens sentam-se num salão do Majestic, o palácio branco que fica ao fundo da rua Catinat. Agora, rua Dong Khoi.

Cadeirões estilo império, com dourados, e empregados de libré. Vista para a Riviera e para os juncos, como ainda hoje acontece, em 2012, passados 120 anos. Procuremos um cadeirão para o invisível fantasma do futuro, o escriba do caderno com capa de pele de toupeira que andava atrás do rasto de Yersin no Zur Sonne de Marburgo. Ele estica a orelha, espia e regista nas suas notas a conversa dos dois homens de 28 anos, ambos com uma barba negra bem aparada. Tomando precauções dignas de conspiradores tímidos, evocam o seu gosto comum pela geografia, por Loti e pela pesca do bacalhau. Convocam, em Saigão, o frio e o gelo de Miquelon. É o militar que está vestido à paisana e o civil que enverga um uniforme branco com cinco galões dourados.(...)"

Peste e Cólera
Patrick Deville

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