sábado, 31 de dezembro de 2022

Despedida

- Vou-me embora, gritou o Ano Velho, com alguma dificuldade em fazer-se ouvir, e em ouvir. Meio trôpego, a movimentar-se às arrecuas, bem longe da ligeireza que apresentava quando substituiu o seu antecessor e se apresentou carregado de projectos e cheio de esperança de os concretizar.

- Apresentei a minha demissão e, tal como outras recentes, foi aceite. Estou a esvaziar as gavetas e, daqui a pouco mais de meia dúzia de horas parto para o limbo do esquecimento. Não regressarei à actividade, por muito que me custe. Durante dois ou três dias ainda aparecerei nos orgãos de comunicação social, que recordarão acontecimentos de que não fui protagonista mas sucederam enquanto "reinei". Nos anais da história, limitar-me-ei a ser uma data de registo, um situar no tempo, um clarificador de ocasião. Serei esquecido pelo comum dos mortais e apenas lembrado quando os historiadores se dedicarem ao estudo do que se passou, e foi muito, durante os 365 dias do meu reinado.

Não me tinha apercebido que esta coisa de abandonar o posto tem que se lhe diga. Estou afadigado com as tarefas da despedida, os arrumos, os balanços. Resta-me a consolação de que farei as malas e partirei, sorrateiro, com toda a gente preocupada com a contagem decrescente, os desejos das passas, o gás do champagne, o descasque dos camarões, as pernas das sapateiras e as presas das lagostas, os doces e os salgados, os aperitivos e o vinho. No fundo, repete-se o que aconteceu ao coitado do 2021, quando eu cheguei, ufano e eufórico, ao som do estralejar dos foguetes e dos hip-hip. Vinha eu preparado para ser protagonista de uma grande festa e corresponder a todos os desejos que foram formulados e, afinal, não aconteceu ...

Surgiu a invasão russa à Ucrânia, crime que o meu sucessor há-de continuar a gramar, bem como às respectivas consequências. E serão muitas ... 

Talvez ainda não seja em 2023 que tenhamos comboios em condições, que a saúde deixe de ser palco de desavenças quotidianas e alvo de interesses obscuros, que os menos favorecidos não continuem a esforçar-se por passar entre os intervalos da chuva, sem conseguirem, ao menos, comprar um chapéu que os resguarde. Deixemos as previsões. É melhor cingirmo-nos à verdade irrefutável, como dizia o outro, de que "prognósticos, só no fim do jogo" ou, aqui, no final do ano que se vai iniciar.

Cá estaremos para ver, sem resistir à formulação dos votos que, hoje, verdadeiramente interessam: era óptimo que 2023 nos trouxesse paz, saúde, respeito e uns trocos para gastar.

2 comentários:

Anónimo disse...

Bom Ano! 🥂🍾

Anónimo disse...

Bom ano 2023. No fim vamos avaliar…