quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Palavras bonitas

Ouvi hoje, neste podcast, uma excelente conversa com uma mulher que não conheço pessoalmente, tenho presente na minha estante com vários livros e cuja liberdade e coragem aprecio muito e há muito tempo.

Em sua homenagem ( que palavra ridícula), ficam uns versos de Cesário Verde - sobre quem ela escreveu uma excelente biografia - dedicados a uma loira que bem podia ser Maria Filomena Mónica.

LOIRA

Eu descia o Chiado lentamente
Parando junto às montras dos livreiros
Quando passaste irónica e insolente,
Mal poisando no chão os pés ligeiros.

O céu nublado ameaçava chuva,
Saía gente fina de uma igreja;
Destacavam no traje de viúva
Teus cabelos de um loiro de cerveja.

E a mim, um desgraçado a quem seduzem
Comparações estranhas, sem razão,
Lembrou-me esse contraste o que produzem
Os galões sobre os panos de um caixão.

Eu buscava uma rima bem intensa
Para findar uns versos com amor;
Olhaste-me com cega indiferença
Através do lorgnon provocador.

Detinham-se a medir tua elegância
Os dandies com aprumo e galhardia;
Segui-te humildemente e a distância,
Não fosses suspeitar que te seguia.

E pensava de longe, triste e pobre,
(Desciam pela rua umas varinas)
Como podias conservar-te sobre
O salto exagerado das botinas.

E tu, sempre febril, sempre inquieta,
Havia pela rua uns charcos de água
Ergueste um pouco a saia sobre a anágoa
De um tecido ligeiro e violeta.

Adorável! Na ideia de que agora
A branda anágoa a levantasse o vento
Descobrindo uma curva sedutora,
Cada vez caminhava mais atento.

Mas súbito parei, sentindo bem
Ser loucura seguir-te com empenho,
A ti que és nobre e rica, que és alguém,
Eu que de nada valho e nada tenho.

Correu-me pelo corpo um calafrio,
E tive para o teu perfil ligeiro
Esse olhar resignado do vadio
Que fita a exposição de um confeiteiro.

Vi perder-se na turba que passava
O teu cabelo de oiro que faz mal;
Não achei essa rima que buscava,
Mas compus este quadro natural.

O livro de Cesário Verde
Cesário Verde
Editorial Minerva

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