Ouvi hoje, neste podcast, uma excelente conversa com uma mulher que não conheço pessoalmente, tenho presente na minha estante com vários livros e cuja liberdade e coragem aprecio muito e há muito tempo.
Em sua homenagem ( que palavra ridícula), ficam uns versos de Cesário Verde - sobre quem ela escreveu uma excelente biografia - dedicados a uma loira que bem podia ser Maria Filomena Mónica.
LOIRAEu descia o Chiado lentamenteParando junto às montras dos livreirosQuando passaste irónica e insolente,Mal poisando no chão os pés ligeiros.O céu nublado ameaçava chuva,Saía gente fina de uma igreja;Destacavam no traje de viúvaTeus cabelos de um loiro de cerveja.E a mim, um desgraçado a quem seduzemComparações estranhas, sem razão,Lembrou-me esse contraste o que produzemOs galões sobre os panos de um caixão.Eu buscava uma rima bem intensaPara findar uns versos com amor;Olhaste-me com cega indiferençaAtravés do lorgnon provocador.Detinham-se a medir tua elegânciaOs dandies com aprumo e galhardia;Segui-te humildemente e a distância,Não fosses suspeitar que te seguia.E pensava de longe, triste e pobre,(Desciam pela rua umas varinas)Como podias conservar-te sobreO salto exagerado das botinas.E tu, sempre febril, sempre inquieta,Havia pela rua uns charcos de águaErgueste um pouco a saia sobre a anágoaDe um tecido ligeiro e violeta.Adorável! Na ideia de que agoraA branda anágoa a levantasse o ventoDescobrindo uma curva sedutora,Cada vez caminhava mais atento.Mas súbito parei, sentindo bemSer loucura seguir-te com empenho,A ti que és nobre e rica, que és alguém,Eu que de nada valho e nada tenho.Correu-me pelo corpo um calafrio,E tive para o teu perfil ligeiroEsse olhar resignado do vadioQue fita a exposição de um confeiteiro.Vi perder-se na turba que passavaO teu cabelo de oiro que faz mal;Não achei essa rima que buscava,Mas compus este quadro natural.O livro de Cesário VerdeCesário VerdeEditorial Minerva
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