quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Notas

Quando o meu entendimento dos temas mais importantes, ou inquietantes, da vida começou a acontecer, fazia-me muita confusão os meus pais referirem, com regularidade, que tinham gasto dez mil réis a comprar isto ou aquilo e, muitas vezes, eu tinha presenciado que o custo tinha sido dez escudos.

- O que é isso dos mil réis?, questionava a minha impertinência.

- Antigamente era assim que se chamava a moeda - réis. Quase ninguém, dos mais velhos, fala em escudos e está sempre a fazer a comparação com o dantes.

O tempo foi corrigindo, com o apagamento dos que não sabiam, ou não queriam, utilizar, verbalmente, a nova moeda e os mil réis eclipsaram-se do quotidiano.

No primeiro dia de 2002, o Euro passou a ser a moeda corrente em Portugal e, durante bastante tempo, quase toda a gente fazia mentalmente a conversão para escudos, procurando avaliar o custo, aumentado, pela matemática a que estava habituada.

- É pá, isto está impossível. Oitenta paus por uma bica; uma nota de cem por uma alface.

O tempo foi correndo, muitos da época do escudo já se apagaram e a grande maioria dos outros não se preocupa em fazer ponderações. Não vale a pena!

Hoje, no supermercado, estava um livro de um autor que conheço bem e do qual tenho algumas obras. Aquele, dizia-me a memória, não estacionava na estante. Promoção: Cinco euros.

- Vou levar. Nem se nota na conta.

No regresso, fiz-me de velho e ponderei:

- A promoção, afinal, custou mil escudos e mais uns pózinhos.

Não recordo já quanto pagava, em escudos, por um livro, até porque perfilho o princípio de que dinheiro gasto não faz falta a ninguém. Todavia, não tenho dúvidas: quando iniciei a minha "carreira" de comprador de livros, nenhum dos "normais" custaria o valor que dei hoje na promoção. Quem ponderava com os olhos no antigamente, seguramente que pensaria ser um desperdício gastar quatrocentos ou quinhentos mil réis num monte de folhas. Mil réis era um crime. Seria o ordenado de um mês, pago à semana, claro.

Valeu que foi o cartão que pagou!

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