sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Palavras bonitas

Décimo Poema do Pescador

Nem sempre o robalo vem
nem sempre ele traz aquele inexplicável e fundo
mistério de pulsar como o coração de alguém
ou talvez como o próprio coração do mundo.

Nem sempre me toca a graça e nem sempre está 
o vento de feição. E no entanto procuro
incansavelmente procuro o não sei quê que já
muitas vezes me trouxe um coração no escuro.

Não há senão esse buscar. Esse incessante 
navegar pelo sonho essa viagem
de Ulisses sem regresso. Como alma errante
não mais que um viajante de passagem.

Um intruso no mar um algo a mais
pela noite adiante obsessivamente procuro
na página nos astros nos canais
um verso um peixe um coração no escuro.

Eu pescador Ulisses alma errante
navegador da noite procuro nem sei bem
uma luz um robalo um breve instante.
O coração do mundo. Ou de ninguém. Ou quem.

Senhora das Tempestades
Manuel Alegre
Dom Quixote (1998)

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